Em todo o Brasil, médicos atraem centenas de pacientes, porque prometem emagrecimento rápido, à base de remédios. Só que eles não seguem a lei e usam remédios e combinações proibidas.
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Quatro meses depois da proibição da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), médicos inescrupulosos continuam receitando remédios para emagrecer contra-indicados e combinações de substâncias que podem até matar. O Fantástico percorreu vários desses consultórios que prometem resultados rápidos, mas que, na verdade, são armadilhas.
Para emagrecer, você se consultaria com um médico que faz o paciente virar uma ‘caveirinha’? “se você quiser secar, ele seca mesmo você em um mês. Todo mundo fala que quem quiser ficar ‘caveirinha’ fica com ele”, diz uma jovem que espera na fila para consulta.
Os pacientes do médico Roberto Falci da Silva Garcia no Rio de Janeiro chegam de madrugada para pegar uma senha. “Eu cheguei eras uma 5h30, ia dar 5h”, conta uma mulher.
A mesma história acontece em todo o Brasil: médicos atraem centenas de pacientes, porque prometem emagrecimento rápido, à base de remédios. Só que eles não seguem a lei e usam remédios e combinações proibidas. “A gente vai fazer uma terapia de guerra”, diz o médico.
Para começar, os remédios são vendidos pelos próprios médicos, o que não é permitido. E por isso eles pedem segredo aos pacientes. “Não vai contar para ninguém, hein? Fica quieto”, diz uma médica.
Para mostrar como agem os médicos que receitam fórmulas e substâncias proibidas para emagrecer, o Fantástico marcou consultas com quatro profissionais.
Em Igaratinga, no interior de Minas Gerais, o médico Leonício de Almeida mistura vários medicamentos, que ele chama de ‘muletas’. “Nessa muleta, tem mais um pedacinho que vai diminuir a ansiedade. Vai ter mais outro pedacinho que vai tirar qualquer estado depressivo”, informa ao paciente.
O médico não explica nada nem diz o nome dos remédios.
“O médico não pode nem prescrever de maneira secreta: ‘eu vou lhe dar um medicamento’, que ele não coloca o nome exatamente do medicamento, que ele codifica e só uma determinada farmácia sabe qual é aquele código. Isso é totalmente vedado ao médico”, afirma Ricardo Meirelles, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia.
E pior: ele dá à nossa equipe remédios que foram receitados para outros pacientes. “Eu vou riscar o nome dela e colocar o seu nome”, diz o Dr. Leonício. Depois, ele vende os medicamentos que acabou de receitar. “Esse daqui é R$ 99. E esse aqui é R$ 65. No total, fica R$ 164”, informa o médico.
“Esse tipo de procedimento é vedado pelo Código de Ética Médica”, critica Carlos Vital Tavares Correa Lima, do Conselho Federal de Medicina.
Enviamos todo o material para análise no Laboratório de Farmacologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “O medicamento apresenta o femproporex, e femproporex é uma anfetamina. No Brasil, essas anfetaminas foram proibidas pela Anvisa no ano passado”, explica o professor de farmacologia Gilberto Denucci, da Unicamp.
O advogado Pérsio Moreno Vilalva tomou femproporex: “Você tem insônia por conta desse medicamento, comecei, de certa forma, a não ter mais vontade de fazer nada. Você não quer nem sair de casa. Aí eu comecei a perceber que isso estava me fazendo mal”.
As anfetaminas atuam no cérebro e reduzem o apetite. Elas fazem o coração bater mais depressa, podem causar acidente vascular cerebral e ainda levar à dependência física e psíquica. Por isso, a Anvisa proibiu os derivados dessas substâncias e só liberou uma: a sibutramina.
No Rio de Janeiro, a médica Kátia Requena receita a sibutramina. Essa substância age assim: o cérebro de quem toma sibutramina entende que não é preciso comer muito. Com menos comida, a pessoa fica logo satisfeita. Por isso, consegue emagrecer.
“Os efeitos colaterais são geralmente boca seca, mal estar, tonteira, em alguns casos. Pode acontecer de haver aumento da pressão arterial”, aponta Ricardo Meirelles, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia.
Mas combinar sibutramina com quaisquer outros medicamentos para quem quer perder peso está proibido desde 1997 pelo Conselho Federal de Medicina. “Ela é proibida na mesma fórmula e em fórmulas separadas para serem tomadas junto”, aponta Maria Eugenia Cury, do Núcleo de Investigação da Anvisa.
“Já ficou muito claro que, quando associadas em fórmulas a laxantes, a hormônios, a diuréticos, são indutoras de sérios riscos de agravos à saúde e até mesmo à morte”, declara Carlos Vital Tavares Correa Lima, do Conselho Federal de Medicina.
Mas a doutora Kátia passa por cima da lei. “Vou fazer sibutramina para ele, junto com isso aqui. Mas, para mexer na ansiedade dele, a gente tem que botar outras coisas também”, diz.
Para saber que outras coisas são essas, enviamos os remédios receitados pela doutora ao Laboratório da Unicamp. Uma delas é uma substância chamada fluoxetina. “A fluoxetina tem o mesmo mecanismo de ação da sibutramina, ou seja, é um inibidor de apetite. Essa associação eu nunca tinha visto”, revela o professor de farmacologia Gilberto Denucci, da Unicamp.
A fórmula também tem um laxante chamado orlistate. O orlistate atua no tubo digestivo e diminui a absorção de gorduras. Usado com outras substâncias, pode causar problemas no estômago e no intestino. Deve ser por isso que, no final da consulta, a doutora pede o seguinte: “não vai contar para ninguém, hein? Fica quieto”.
Nossa equipe segue para Presidente Prudente, em São Paulo. A doutora Ana Rúbia Gonçalves passa uma receita.
Ana Rúbia Gonçalves: Esse remédio vai tirar sua ansiedade de comer o dia inteiro.
Fantástico: Esse é qual, doutora?
Ana Rúbia Gonçalves: Sibutramina. Você quer que eu coloque aqui um remedinho para você ficar mais animado?
Mas a sibutramina não pode ser misturada com outros remédios.
Outra doutora receitou também o orlistate. E ela passou ainda o diurético furosemide, que age nos rins e faz a pessoa perder líquido urinando. Pode causar cãibra, dores musculares e taquicardia.
“O diurético não tem efeito de emagrecimento. Ele simplesmente provoca no início uma perda de água. Com isso, o paciente tem a percepção que perdeu peso, mas, após alguns dias, ele volta a recuperar esse peso”, informa o professor de farmacologia da Unicamp.
De volta ao Rio, o doutor Roberto Falci da Silva Garcia, o das ‘caveirinhas’, receita o mesmo diurético, mas não informa o paciente.
“A surpresa é que foi encontrado um diurético, apesar de não estar constando na descrição da fórmula”, declara Gilberto Denucci.
Outra irregularidade: é o médico, e não o paciente, que encomenda a fórmula diretamente na farmácia. “A farmácia vai entrar em contato com vocês na segunda-feira. Eles entram em contato por telefone no horário comercial. Passam o valor e pegam o endereço de entrega”, diz uma funcionária ao paciente.
Isso fere o Código de Ética Médica: “Fazer uma interação direta com a farmácia, não dando ao paciente a sua devida receita, isso, no mínimo, gera suspeição de vantagens obtidas do médico com a farmácia, em decorrência de sua atividade profissional, o que também é vedado no Código de Ética Médica”, declara Carlos Vital Tavares Correa Lima, do Conselho Federal de Medicina.
O médico não entregou ao paciente a receita azul, que é obrigatória para medicamentos controlados. “Se não tem receita, não entra no sistema. E o que não entra no sistema é porque ele está fora. Então, ele não está dentro dos padrões sanitários definidos”, aponta Maria Eugenia Cury, do Núcleo de Investigação da Anvisa.
Seguimos para a fronteira com o Paraguai, onde os remédios proibidos são vendidos na feira livre.
Fantástico: Estou procurando remédio para emagrecer.
Homem: Sibutramina? Sibutramina de 15 miligramas.
Do outro lado da fronteira, farmácias vendem sem receita um tipo de anfetamina: o femproporex. Ele está proibido pela Anvisa, desde o fim do ano passado.
Fantástico: Vende femproporex? Caixa? Quantas vêm?
Funcionária da farmácia: 30 cápsulas.
A paranaense Luciani Zanutto de Oliveira tinha 24 anos, quando recebeu de um médico uma receita para emagrecer, contendo várias substâncias. “Tinha vários tipos de anfetamina, um monte de coisa”, lembra Vanderlei Inocêncio da Silva, marido da vítima.
Em 2001, 20 dias depois de iniciar o tratamento, Luciani morreu. Para o Ministério Público do Paraná, ela morreu por causa da anfetamina receitada pelo médico José Carlos da Costa. Ele está sendo julgado por homicídio por dolo eventual, quando a pessoa assume o risco de matar.
O caso ainda vai ser julgado. Dois anos atrás, o mesmo médico foi condenado a 14 anos de prisão por ter matado um policial federal em uma discussão de trânsito. Ele está recorrendo da sentença e continua clinicando.
Procuramos o doutor José Carlos, mas ele não quis gravar entrevista. “Fica para outra oportunidade”, diz por telefone.
Já a doutora Ana Rúbia, de Presidente Prudente, primeiro disse que receberia a nossa equipe.
Fantástico: Qual o horário que a doutora poderia atender uma equipe nossa?
Funcionária da clínica: Agora à tarde.
Fomos à clínica, que estava fechada, e seguimos para o condomínio onde ela mora. “Ela pediu para avisar que tinha saído e que não está lá”, informa o porteiro.
Por telefone, o doutor Leonício, aquele que vendeu remédios, diz que parou de receitar substâncias proibidas quando a determinação da Anvisa entrou em vigor: “Até dezembro, prescrevia normalmente. Depois de dezembro, nós não temos como prescrever”.
Só que a nossa equipe comprou os medicamentos em janeiro deste ano.
Também tentamos falar com o doutor Roberto Falci, aquele que enviou fax direto para a farmácia, sem dar receita, mas a clínica fechou as portas para nossa equipe.
A doutora Kátia, aquela que pediu segredo, também não quis falar.
Segundo a Anvisa, médicos e farmácias que burlam a lei podem receber multa, ter o consultório ou o estabelecimento interditado e ainda ser acusados de comércio irregular de produto controlado ou tráfico de entorpecentes.
Todos os remédios adquiridos pelo Fantástico vão ser entregues a Anvisa.
Se você quer emagrecer, não pense que existe uma fórmula mágica para perder peso. “A única maneira de se perder peso é modificando hábitos de vida, adotando uma atividade física regular e adotando uma alimentação saudável. Existem medicamentos que podem ajudar o paciente a atingir esse objetivo. Esses medicamentos devem ser utilizados quando tiverem sua indicação”, informa Ricardo Meirelles, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia.
Quando você for se consultar, o médico precisa conhecer o seu estado de saúde. “Normalmente o que se faz é isso: a tomada da pressão arterial, avaliação da freqüência cardíaca, o exame do coração, a escuta cardíaca. Normalmente se faz a escuta cardíaca, ausculta respiratória, apalpação de abdome. Isso é o que faz parte, são as etapas principais do exame físico, de um bom profissional”, aponta Ricardo Meirelles.
Fonte G1
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