Alexandre Carvalho/ Fotoarena
Karine aponta todos os remédios que precisa tomar por dia.
"São eles que garantem a minha sobrevivência", diz
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A convivência com expectativa de vida que beira 40 anos, a necessidade de tomar dez remédios por dia e sete internações em sequência por dificuldade de respirar. O término da faculdade em 2011, o primeiro emprego em 2012 e a conclusão de uma trilha de cinco quilômetros em Paraty, sempre com sorriso estampado, até quando o fôlego desafiou o passeio.
Karine Barcelos, 24 anos, é portadora da doença genética ainda sem cura chamada fibrose cística e a protagonista das duas histórias descritas acima. Ela, gosta de dizer, é a comprovação de que um copo com água pela metade pode ser “meio cheio ou meio vazio”, depende apenas de quem olha.
“Eu vivo. Não conto o tempo. E sei que tenho muita coisa pra viver porque zelo muito pela minha vida”, diz ela sobre o problema de saúde descoberto aos dois anos e que faz parte do conjunto de enfermidades conhecidas como Doenças Pulmonares Obstrutivas Crônicas (DPOC).
O tom otimista da jovem ao falar sobre a doença que afeta uma em cada 10 mil crianças brasileiras é replicado nas pesquisas e nos novos tratamentos surgidos nas últimas duas décadas sobre a fibrose cística.
Quando Karine nasceu, nos anos 1980, os médicos tinham dificuldade em dizer que os portadores dessa condição chegariam aos cinco anos de vida. Uma década depois, a literatura já colecionava casos de pessoas com 30 anos. Hoje, a média de sobrevivência descrita pelos ensaios clínicos está em quatro décadas, com indícios contundentes de que o diagnóstico precoce, o controle dos sintomas e o rigor nas medicações diárias fazem com que a vida não seja necessariamente abreviada.
Silvia Azambuja, mãe de Caio – 13 anos de idade e há 12 em tratamento para a fibrose cística – gasta muito mais tempo procurando novidades na internet sobre os tratamentos do que preocupada com as estatísticas de mortalidade da doença.
“Passei por seis médicos diferentes, enfrentei cinco internações do Caio ainda bebê que pareciam ser motivadas por pneumonia. Então recebemos o diagnóstico de fibrose e começamos o tratamento quando ele tinha um aninho”, lembra.
“De lá para cá, foram tantas novidades... Meu filho nunca mais ficou internado. Hoje, as provas na escola, as aulas de música, as viagens anuais ocupam muito mais os nossos planos do que o medo dos números ruins relacionados à fibrose cística.”
Teste do pezinho
O que torna a fibrose cística grave é que os genes, herdados da mãe e do pai que não necessariamente manifestam a doença, provocam alterações nas mucosas que envolvem os pulmões e o pâncreas. Essa anomalia facilita o surgimento de infecções pulmonares, compromete a respiração e dificulta a absorção de nutrientes, promovendo a ocorrência de pneumonias e desnutrição.
Atualmente, o teste do pezinho especial é capaz de diagnosticar a fibrose logo após o nascimento e evita que os portadores passem anos acumulando as sequelas nocivas da fibrose sem diagnóstico. A técnica chamada de de "triagem neonatal ampliada" já está disponível na maioria das maternidades particulares do País. Faz parte da rede pública de 9 Estados brasileiros (São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Distrito Federal, Espírito Santo e Rondônia).
O secretário do Ministério da Saúde, Helvécio Magalhães, afirmou em comunicado da pasta que "é preciso estruturar os serviços para que todos os estados tenham condições de realizar o diagnóstico (da fibrose) no teste do pezinho até 2014".
Neiva Damaceno, pneumologista responsável pelo Ambulatório de Fibrose Cística da Santa Casa de São Paulo, ressalta que diagnosticando cedo a doença, é possível prevenir as sequelas mais letais (destruição total dos brônquios, a principal causa de morte dos portadores) e permitir que as crianças possam ser favorecidas com os avanços da medicina.
Neiva Damaceno, pneumologista responsável pelo Ambulatório de Fibrose Cística da Santa Casa de São Paulo, ressalta que diagnosticando cedo a doença, é possível prevenir as sequelas mais letais (destruição total dos brônquios, a principal causa de morte dos portadores) e permitir que as crianças possam ser favorecidas com os avanços da medicina.
“Quantas doenças já foram desafio no ano passado, eram sinônimos de atestado de óbito, e hoje não são mais?”, questiona a especialista. “A fibrose é progressiva e sem cura, mas há muita pesquisa no momento e estamos próximos de um medicamento”, afirma a médica.
“A mudança de expectativa de vida dos portadores foi fantástica. Se conseguirmos tratar as sequelas da doença desde cedo é possível fazer com que os doentes cheguem à fase adulta com condições clínicas para um transplante de pulmão. Caso o transplante seja feito, a doença fica infinitas vezes mais fácil de controlar. A sobrevida deixa então de ser restrita.”
Foi o caso da jovem Kirstie Mills, da Grã Bretanha. Portadora de fibrose cística, ela realizou aos 21 anos um transplante de pulmão duas semanas após casar. Desde então, deixou de usar a cadeira de rodas para a locomoção. Ganhou fôlego para poder andar sozinha e uma expectativa de vida não mais mapeada pela medicina.
Tratar a fibrose desde cedo, exemplifica Silvia – a mãe do Caio – é fazer três inalações diárias, exercícios de fisioterapia respiratória todos os dias, tomar vitaminas, enzimas não produzidas por causa da alteração no pâncreas e não descuidar da alimentação.
Isso é o que permite ao garoto ter energia de sobra para as aulas de guitarra. “Já sei tocar várias músicas do Gun’s in Roses”, diz.
O mesmo ritual medicamentoso é repetido por Karine. Ela aponta a pilha de medicamentos que toma diariamente, com o sorriso que a acompanha.
“Graças às medicações eu consigo estudar, terminei a faculdade, arrumei um emprego e fiz a tão sonhada trilha, algo impensável para os meus médicos anos atrás”, diz.
“Se os remédios garantem a minha saúde, e eu gosto tanto de viver, então não tenho motivo para reclamar, certo?”
Fonte iG
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