Pesquisa com animais mostra que a claridade tem efeito no humor e na
cognição, mesmo quando se dorme o suficiente
Expor-se continuamente à claridade durante a noite pode levar à depressão e
afetar as funções cognitivas. Isso ocorre mesmo em situações em que o sono
permanece inalterado. A exposição irregular à luz faz com que as células
fotossensíveis dos olhos estimulem o sistema límbico do cérebro, responsável por
emoções, memória e aprendizado, quando a região deveria estar em repouso.
A descoberta, feita pela Universidade John Hopkins, nos Estados Unidos, foi
publicada hoje na revista Nature. Para chegar ao resultado, pesquisadores
expuseram um grupo de camundongos a um ciclo contínuo de 3h30 de claridade e
3h30 de escuridão. Já o grupo controle foi submetido ao ciclo claro/escuro
natural: 12 horas de luz acessa e 12 horas de luz apagada.
Em seguida, os animais foram submetidos a vários testes capazes de revelar
sinais de depressão. A conclusão foi que aqueles que receberam a exposição
irregular tiveram alterações no humor, comportando-se de forma depressiva, e no
processo de aprendizado.
Estudos anteriores já tinham relacionado alterações do sono e mudanças no
ritmo circadiano - ciclo de 24 horas que determina as atividades do organismo -
ao surgimento da depressão. A novidade é descobrir que a exposição irregular à
luz, por si só, é diretamente responsável por esse efeito deletério, mesmo
quando as horas de sono são as mesmas.
O biólogo Samer Hattar, principal autor do estudo, afirma que os humanos têm
na retina o mesmo tipo de célula que os camundongos: as células ganglionares
intrinsecamente fotossensíveis, que reagem à presença de luz mesmo em períodos
de sono. Por isso, os resultados sugerem que humanos podem reagir da mesma forma
que camundongos nesse tipo de situação.
"Queremos entender o que acontece com pessoas que trabalham em turnos
alternativos ou são expostas a dias curtos, nos países nórdicos, por exemplo",
diz Hattar. A mesma lógica seria aplicável a pessoas que trabalham no computador
ou iPad e são expostas a situações de muita claridade à noite em casa.
Para o biólogo Mario Pedrazzoli Neto, professor da Escola de Artes, Ciências
e Humanidades da USP (EACH), a descoberta é relevante e pode chamar a atenção do
público e das agências de saúde para o fato de que o ciclo claro/escuro é mais
importante do que se pensava para a saúde humana. "Portanto, a exposição
incomum a esse ciclo, como o trabalho noturno, o adolescente que entra cedo na
escola e o horário de verão podem ter consequências inesperadas à saúde." Ele
acrescenta que é preciso criar políticas públicas que protejam os indivíduos
dessa exposição deletéria.
Os resultados podem levar ao desenvolvimento de novos tratamentos. De acordo
com Pedrazzoli, a aplicação ainda é incipiente, mas já existem tentativas de
tratar casos específicos de depressão com luzes extremamente brilhantes em
determinadas horas do dia que têm apresentado resultados razoáveis.
Segundo a biomédica Camila Hirotsu, doutoranda do Instituto do Sono, uma
estratégia possível seria usar essas células da retina como alvo para bloquear
sua ação e inibir toda a cadeia que leva à depressão. Ela ressalta, no entanto,
que os casos de depressão costumam estar relacionados a múltiplos fatores, além
da questão da luz.
Fonte Estadão
Nenhum comentário:
Postar um comentário