Brasília - Casos de discriminação são facilmente identificados por quem é
alvo de piadas, chacotas, olhares atravessados ou tratamentos diferenciados.
Mensurar os impactos que esses episódios trazem à saúde das pessoas, entretanto,
ainda não é comum no Brasil.
Para o professor João Luiz Bastos, do Departamento
de Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), estratégias
difundidas internacionalmente podem ajudar o país a entender como a
discriminação pode estar associada, por exemplo, ao aumento da ocorrência de
casos de depressão, ansiedade e hipertensão.
“A literatura internacional aponta uma forte relação entre quadros de
alteração na saúde com o fenômeno da discriminação. É importante que, no Brasil,
também sejam desenvolvidos estudos que identifiquem esse impacto, levando-se em
conta nossas formas de sociabilidade e de tratar as pessoas em diferentes
instâncias, para ver se aqui também essas relações se confirmam e de que forma
elas se confirmam”, defendeu Bastos, que é autor do livro Discriminação e
Saúde: Perspectivas e Métodos, lançado em novembro pela Editora
Fiocruz.
Entre as metodologias que podem ser utilizadas por pesquisadores brasileiros,
citadas na obra produzida em parceria com o professor Eduardo Faerstein, do
Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj),
está a conhecida como auditagem.
Por meio dela, são selecionados pares de pacientes com características
semelhantes, exceto o aspecto que caracteriza a discriminação que se pretende
investigar. Eles se apresentam em um serviço de saúde com os mesmos tipos de
roupa e formas de comunicação e solicitam o mesmo tratamento.
“Se houver tratamento diferenciado, com encaminhamentos diferentes, poderá
ser detectada a discriminação e o prejuízo para o tratamento de determinada
patologia”, disse.
Segundo João Luiz Bastos, estudos que identifiquem e quantifiquem essas
circunstâncias são fundamentais para reduzir a falta de equidade na saúde, “que
podem estar nas relações entre profissionais de saúde e pacientes, na prescrição
de tratamentos medicamentosos ou de outros procedimentos cirúrgicos e
terapêuticos, assim como na própria satisfação dos usuários com o atendimento
prestado”.
O professor da UFSC também citou a aplicação de “grandes inquéritos” que
incluam perguntas sobre experiências discriminatórias e sobre o desenvolvimento
de problemas de saúde. “Dessa forma, pode-se avaliar os dados e examinar a
relação entre as experiências vividas e a ocorrência de agravos à saúde”,
explicou.
O professor destacou o caráter inovador do tema, ressaltando que somente
durante a década de 1990 a discriminação passou a ser encarada como um fenômeno
complexo, nem sempre identificado. Ele lembrou que, antes de 1920, a
discriminação racial, por exemplo, sequer era entendida como um problema
importante de pesquisa. Segundo ele, a discriminação em qualquer área do
cotidiano das pessoas pode trazer prejuízos à saúde.
A aposentada Noádia Almeida diz que já perdeu a conta das vezes que foi alvo
de discriminação por causa da cor de sua pele. Em um dos episódios, ela foi
impedida de deixar uma loja de departamentos na Tijuca, zona norte do Rio de
Janeiro, após ter trocado uma peça que tinha comprado para a filha.
“Eu estava saindo da loja quando dois seguranças me mandaram segui-los até um
outro setor e disseram a outro funcionário: ´pegamos a crioula com a muamba no
saco’. Como eu tinha a nota fiscal, consegui provar que a peça era minha, mas
foram minutos de muita angústia, de muito nervosismo. Todo mundo me olhando, foi
um horror”, contou ela, que chegou a faltar um dia ao trabalho por causa do
“violento estresse emocional”.
O Ministério da Saúde informou, por meio da assessoria de imprensa, que não
tem dados sobre os impactos da discriminação na saúde da população, mas destacou
que desenvolve várias ações para ligadas ao tema, como as associadas à Política
Nacional de Humanização, lançada em 2003. Por meio da iniciativa, os
profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS) são treinados e capacitados no
atendimento que garanta a defesa dos direitos dos usuários, qualquer que seja
sua classe social, cor da pele ou condição física ou psicológica.
Fonte Agência Brasil
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