Pesquisa com 4 mil adolescentes revela que eles passam mais horas na rede e
muitos mostram desejo de expor o corpo até para desconhecidos
Maria Rita Nunes até ganhou uma cadeira mais confortável do pai para não
sofrer de dores nas costas durante as cerca de seis horas diárias que fica em
frente ao computador de casa. Isso sem contar as espiadas na internet do celular
durante o intervalo das aulas no Colégio Santa Maria. Não raro, ela troca o
tempo de sono da madrugada para assistir a algum vídeo publicado por um amigo ou
para postar no Twitter. Afinal, foi por essa ferramenta que ela conheceu uma de
suas melhores amigas.
Aos 15 anos, a adolescente é o retrato do que mostra a pesquisa Nós, Jovens Brasileiros, realizada pelo Portal Educacional, que mapeou o comportamento de 4 mil estudantes de 13 a 17 anos, alunos de 60 escolas particulares de todo o País. Neste ano, foram os próprios jovens que sugeriram as questões que, depois de selecionadas, compuseram o corpo do questionário.
E, quando o assunto é internet, as descobertas revelam desde questões mais
objetivas - como o tempo de uso, que cresce ano após ano - até temas bem mais
delicados, como a disposição a se expor na rede.
Um dos dados mais preocupantes é o que mostra que, do total de entrevistados,
6% deles já apareceram nus ou seminus em fotos na rede e o mesmo porcentual já
mostrou partes íntimas de seu corpo para desconhecidos por meio de webcam. Além
desses, outros 3% já pensaram em se exibir dessa forma, mas não puseram isso em
prática.
Destemidos
"Isso reforça a nossa percepção de que o jovem acredita que a
tela e a distância relativizam o risco do perigo", diz o psiquiatra Jairo Bouer,
parceiro do Portal Educacional. "Ou ele quer se diferenciar e ganhar fama a
qualquer preço, e para isso avalia que vale a pena até mostrar o corpo, ou ele é
inocente e acha que não é tão grave."
O caso narrado por Caio Cardoso Fossati, de 15 anos, aluno do Colégio 12 de
Outubro, foi de completa ingenuidade, acredita ele. Caio conta que um de seus
amigos recebeu de uma paquera uma foto dela nua. "A garota gostava dele e achava
que era uma forma de atraí-lo." A estratégia deu errado. Além de não se seduzir,
o adolescente mostrou a imagem a um grupo de amigos que a conheciam e o assunto
virou piada. "Só não ficou pior porque ela não sabe que todos nós a vimos
daquele jeito."
Ivanna Castelli, de 13 anos e estudante do 8.º ano do ensino fundamental, diz
que várias de suas amigas se expuseram dessa forma. "Algumas queriam aparecer e
outras atenderam ao pedido do namorado. O problema é que isso sempre espalha, e
elas acabam se arrependendo."
Para Carmen Neme, professora do programa de pós-graduação em Psicologia da
Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), essa exposição é resultado da falta
de controle dos impulsos sexuais, própria da adolescência, com o imaginário,
também típico da idade, de que estão acima de qualquer risco. "O adolescente
acha que nada vai acontecer, porque ele é muito esperto."
O único antídoto a isso, explica, é a presença mais atuante dos pais. Uma
intervenção que não se limite a um código de conduta com sites proibidos e
permitidos, mas que subentenda mais tempo de convivência. "O problema não é a
internet. A questão é que os adolescentes estão sozinhos. Nunca se viveu de
maneira tão solitária como agora. Os pais estão longe, e a internet parece
suprir a ausência", diz Carmen.
Sem orientação, somem os limites. "Uma certa rebeldia é tolerável, porque o
adolescente que não se rebela não sai da dependência familiar. Mas a rebelião
tem de ser dentro de certos limites. Ele pode questionar valores, confrontar,
mas não pode perder o controle de impulsos, destruir os vínculos."
Descuido
Se a questão não for cuidada em tempo, pode ser tarde para que essa
intermediação aconteça. O diretor do Colégio Mary, Cesar Marconi, conta que com
frequência chama os pais à escola para discutir os limites dos filhos frente à
internet.
O maior problema, por ali, é a queda do rendimento por conta do cansaço. "Tem
aluno que chega morrendo de sono, não consegue se concentrar e, ao ser
questionado, diz que não dormiu porque ficou na internet a noite toda." Ao serem
convocados, diz Marconi, oito em cada dez pais dizem conhecer essa rotina. "Mas
admitem que não conseguem mais controlar."
Uma outra pesquisa divulgada nesta semana pela Fundação Telefônica - o estudo
mapeou o comportamento de crianças e jovens frente às telas de computador,
celular e televisão - mostrou que 58,6% das crianças e 76,5% dos jovens acessam
a rede sozinhos. O computador, revelou a pesquisa, se localiza preferencialmente
no quarto da criança (37,6%) ou do adolescente (39,3%). Quanto à orientação,
31,7% dos jovens declararam que seus pais não costumam fazer nada em relação às
atividades que desenvolvem na internet.
Fonte Estadão
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