O caso emblemático de diagnóstico de pré-disposição a câncer de mama da atriz americana Angelina Jolie levantou uma polêmica em torno do sequenciamento individual do DNA. Por um lado, a notícia fez quintuplicar a procura por esse tipo de teste genético nos laboratórios especializados. Por outro, levou muitos geneticistas a acender um sinal de alerta.
A atriz revelou ao mundo que recorreu à tecnologia e optou pela retirada dos seios ao ver identificada uma mudança genética hereditária, o que foi considerado corajoso por especialistas. O que não foi dito é que 90% dos casos de câncer de mama não são hereditários. "No caso da Angelina Jolie, o histórico familiar era muito forte e foi determinante para a realização do teste. Para a maioria das pessoas, não é recomendável", diz Mayana Zatz, coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano da Universidade de São Paulo.
Já é possível detectar mais de 5 mil doenças genéticas que podem causar mutações em um único gene. Pré-disposição a atrofia muscular, retardo mental, alteração cromo facial, glaucoma, diabete, deficiência mental, hipertensão, câncer são alguns exemplos de anomalias possíveis de serem diagnosticadas a partir do teste genético. Aparelhos de última geração são capazes de sequenciar centenas de genes ao mesmo tempo, mas analisar os resultados exige profissional com alta qualificação. "O Centro de Genoma da USP recebe cerca de mil pessoas por ano, entre o atendimento público e privado", diz Zatz. Em pesquisa, equipamentos e conhecimento genético, o Brasil está 'pari passu' com países desenvolvidos.
"Tecnicamente, estamos preparados para fazer o sequenciamento genético, mas a falta de inserção da genética no SUS dificulta o interesse e qualificação dos profissionais e nos distancia de países como a Inglaterra", afirma Lavínia Schuler, presidente da Sociedade Brasileira de Genética Médica. Existem cerca de 200 geneticistas clínicos no país capazes de fazer o aconselhamento genético.
O centro de estudos do genoma da Universidade do Rio Grande do Sul também percebeu o efeito Jolie. "Estamos atendendo mais de 100 pacientes por semana que despertaram a atenção para o teste genético. Mas isso representa só 1% da demanda por aqui", afirma Schuler.
A medicina personalizada com base no mapa genético de cada pessoa é vista como o futuro na área da saúde. Através do teste molecular é possível saber qual tipo de remédio o organismo metaboliza melhor e qual é o tratamento mais adequado. Outro avanço diz respeito a diagnósticos de doenças genéticas que as pessoas têm propensão a ter. "A medicina personalizada vem como um divisor de águas. Deixamos de ser tratados de forma massificada. Ela traz recursos de diagnóstico e tratamento mais assertivos às pessoas", afirma Lorice Scalise, presidente da Roche Diagnóstica do Brasil, empresa suíça que cresceu muito nos últimos dois anos, com investimentos de 20% de seu faturamento bruto em pesquisa e desenvolvimento de genética médica.
Lorice lembra que doenças como osteoporose, eclampsia, melanoma e câncer de colo de útero, quando detectadas com antecedência, permitem "que tenhamos soluções específicas com respostas mais rápidas". Mas hoje, devido ao alto custo, o acesso ao teste e aconselhamento genético ainda é restrito a poucas pessoas. Como ainda não virou política de saúde pública, os preços variam de R$ 500 (testes mais simples) a 2 mil (mais complexos) no Centro de Genoma da USP, ou entre R$ 2 mil a R$ 20 mil nas clínicas particulares.
A genética médica teve início com o estudo das doenças relacionadas ao defeito em um único gene. Um exemplo é a fibrose cística. "Da mesma forma, qualquer doença relacionada a um único gene pode ser precisamente diagnosticada. Mas doenças como hipertensão arterial e depressão, que são causadas por múltiplos genes e fatores ambientais, apresentam uma dificuldade maior para serem diagnosticadas geneticamente", diz Martin Whittle, diretor-presidente da Genomic Engenharia Molecular, que faz mil exames por mês entre identificação humana e propensão genética.
Existem muitas alterações nos genomas que os aparelhos de nova geração conseguem encontrar, mas que ainda não se sabe interpretar. Para avançar nisso, o Centro de Genoma está criando um banco genômico de pessoas voluntárias e saudáveis com mais de 80 anos, que já possui 1,4 mil participantes. "Só assim, conseguiremos interpretar as alterações no DNA dos mais jovens", diz Zatz.
Na carona do avanço da ciência e da tecnologia de segunda geração, o geneticista David Schlesinger, do Hospital Israelense Albert Einstein, abriu em maio deste ano a Mendelics, laboratório especializado no sequenciamento de exoma. "A análise do exoma consiste em 'sequenciar' os mais de 20.000 genes do genoma de uma pessoa para identificar as mutações que causam doenças genéticas.
Um único teste resolve milhares de doenças diferentes", afirma Schlesinger. O custo para o sequenciamento completo do exoma na Mendelics está em torno R$ 11, 9 mil. A empresa conta com sete profissionais dedicados a isso, 70% com doutorado e pós-doutorado que trabalham no laboratório e na área de bioinformática.
Os exames moleculares mais demandados nos laboratórios Fleury Medicina e Saúde são os de fibrose cística, síndrome de X-Frágil (doença genética causadora de deficiência mental), BRCA 1 e 2 (para câncer de mama e ovário hereditários), ataxia espino-cerebelar e doença de Huntington (doenças neurodegenerativas), além do teste CGH Array, que detecta perdas e ganhos no genoma completo. O preço para detectar câncer de mama hereditário está em U$ 3 mil e o sequenciamento do genoma completo, em US$ 10 mil.
Valor Econômico
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