Pacientes teriam sido tratados com lotes ineficazes do produto |
Justiça nega recurso e Eli Lilly do Brasil terá de indenizar - com valores a serem definidos - 9 famílias que tiveram seus filhos mortos, nos anos 1980, durante tratamento contra leucemia
CAMPINAS - Nove famílias que processam o laboratório farmacêutico Eli Lilly do Brasil desde a década de 1980 conseguiram mais uma vitória na Justiça. O Tribunal Regional Federal da 3.ª Região em São Paulo negou recurso apresentado pela empresa e manteve a sentença que obriga o laboratório a ressarcir os pais cujos filhos morreram durante tratamento de câncer. Elas foram tratadas com lotes ineficazes do medicamento Oncovin.
“Eu, como juiz, me impressiono, e muito, com a morte dessas crianças. Tenho convicção da responsabilidade do laboratório nesses óbitos”, afirmou o juiz federal Leonel Ferreira. A sentença, de novembro de 2011, deve ser publicada em 15 dias.
Os valores da indenização não foram definidos, pois a sentença prevê que as pessoas que se sentiram lesadas devem entrar com processos individuais.
A ação foi movida pelo Ministério Público Federal após a oncologista Sílvia Brandalise - que era chefe do Serviço de Hematologia e Oncologia do Departamento de Pediatria da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) - denunciar à Associação Paulista de Medicina reduções substanciais do princípio ativo vincristina na composição de dois lotes do Oncovin.
O medicamento, comprado pela extinta Central de Medicamentos (Ceme) para o SUS, foi usado entre setembro e dezembro de 1983 - época em que os pacientes tinham entre 3 e 5 anos. Sílvia ainda chefia o serviço da Unicamp e também preside o Centro Infantil Boldrini, em Campinas, referência no tratamento de câncer infantil.
Segundo a oncologista, o medicamento, usado nas quatro primeiras semanas do tratamento da leucemia linfoide aguda, promove um índice de remissão de 96%. “Nessas crianças, a taxa variou de 20% a zero”, afirmou.
Quando identificou os resultados dos tratamentos, Sílvia pediu a interdição do uso das três medicações utilizadas (corticoide, Daunoblastina e Oncovin) e levou amostras para testes em institutos no Brasil e no exterior: “Compramos as medicações do mercado, de outros lotes, para continuar o tratamento, mas fui investigar o que tinha ocorrido”.
Um laudo do St. Jude Children’s Research Hospital, reconhecido pelo tratamento de câncer infantil nos EUA, apontou menos de 1% do princípio ativo nas amostras de Oncovin. Outro laudo, do Instituto Nacional de Saúde dos EUA, também mostrou redução substancial do princípio ativo.
Na Justiça. A oncologista levou os documentos às Associações Brasileira e Paulista de Medicina, ao Ministério Público Federal, ao Ministério da Saúde e à reitoria da Unicamp. Além dos resultados internacionais, foram elaborados laudo e contraprovas pelo Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde, da Fundação Oswaldo Cruz. Foi constada a ineficácia dos lotes do medicamento distribuídos à Ceme. O Ministério da Saúde suspendeu sua comercialização em 1984.
A ação contra o laboratório foi movida em 1986 e em março de 2000 a Justiça Federal julgou o caso em primeira instância, condenando a empresa ao ressarcimento. Em 2001, o laboratório recorreu. Os autos chegaram à Procuradoria Regional da República em 2011. Em agosto, o procurador Walter Claudius Rothengurg emitiu seu parecer, contra a Lilly - que sustentava não ter ocorrido alteração na composição do medicamento.
O procurador, porém, aponta em seu parecer que “o laudo do Instituto Adolfo Lutz - de que o réu tenta se valer para isentar-se de responsabilidade - revela-se inconclusivo”. A análise constatou “a presença da vincristina sem, contudo, pronunciar-se sobre sua potencialidade”.
Em novembro, o tribunal acompanhou o parecer do procurador e negou recurso à empresa. Sílvia lamentou o fato de as vítimas terem de buscar seus direitos individualmente, quando o processo acabar. “O cidadão comumfica sem suporte, sem ter a defesa que a Constituição nos garante.”
Segundo o juiz, o laboratório ainda pode recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo Tribunal Federal (STF). Por meio de assessoria de imprensa, a Eli Lilly do Brasil informou que não teve acesso ao acórdão da decisão no TRF e não se pronuncia a respeito de processos ainda em julgamento.
Fonte Estadão
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