Strang é um dos primeiros casos do que poderá se tornar um estudo clínico de 80 pacientes Foto: Damon Winter / NYTNS |
Meses depois que uma bomba no Afeganistão explodiu parte de sua coxa
esquerda, o sargento Ron Strang se perguntava se algum dia voltaria a andar
normalmente.
A explosão e as cirurgias subsequentes deixaram Strang, um fuzileiro de 28
anos, com uma grande depressão em sua coxa, onde ficava o músculo quadríceps.
Ele podia mover a perna para trás, mas com uma parte tão grande do músculo
perdida, não conseguia colocá-la para a frente. Ele podia andar, mas de forma
desajeitada.
— Fiquei muito bom em cair — diz ele sobre os esforços.
E Strang, um homem alto e atlético, teve de parar de correr. Mas isso foi há
dois anos. Hoje ele caminha com facilidade, corre na esteira e está pensando
numa carreira pós-exército como policial.
— Se você me conhece, ou sabe como procurar, consegue perceber eu manco um
pouco. Mas qualquer outra pessoa diz: "Eu nunca teria adivinhado" — conta.
Há mais uma coisa que as pessoas nunca adivinhariam: Strang cultivou novos
músculos graças a uma fina lâmina de material de um porco.
O material, chamado matriz extracelular, é o andaime natural que sustenta
todos os tecidos e órgãos, tanto em pessoas quanto em animais. Ele é produzido
por células, e por muitos anos cientistas achavam que sua principal função era
mantê-las na posição correta.
Hoje, porém, pesquisadores sabem que a matriz extracelular também envia
sinais para o corpo cultivar e reparar tecidos e órgãos. Armados com esse
conhecimento, os novos construtores de corpos vêm usando matriz extracelular de
porcos e outros animais para projetar o crescimento de tecido de reposição em
seres humanos.
Promessa para veteranos de guerra
A técnica, mesmo ainda em desenvolvimento, representa uma promessa especial
para alguns dos milhares de veteranos das guerras do Iraque e Afeganistão, que
foram mutilados por explosivos e às vezes perderam tantos músculos de um braço
ou perna que a amputação passou a ser a melhor alternativa.
Strang é um dos primeiros casos do que eventualmente será um estudo clínico
de 80 pacientes para cultivar músculos de membros. Ele é financiado pelo
Escritório de Transição Tecnológica do Departamento de Defesa, mas também deverá
incluir civis.
Segundo o cirurgião plástico Peter Rubin, do Centro Médico da Universidade de
Pittsburgh, que é o líder do estudo, os resultados preliminares com Strang e
alguns outros pacientes mostraram que a matriz extracelular estava estimulando o
crescimento muscular.
— Estamos vendo evidências da remodelação de tecidos — afirma.
No último outono, Rubin retirou tecido cicatrizado da perna de Strang e
costurou uma lâmina que lembrava um grosso pedaço de papel vegetal — matriz
celular da bexiga de um porco — no músculo da coxa saudável que havia
restado.
Seu corpo imediatamente começou a decompor a matriz, que consiste basicamente
de colágeno e outras proteínas. Mas os médicos esperavam, e queriam, que isso
acontecesse — ao se dividir em compostos menores, a matriz iniciou o processo de
sinalização, recrutando células-tronco para ir ao local onde poderiam se tornar
células musculares.
— Estamos tentando trabalhar com a natureza, em vez de enfrentá-la —
argumenta outro líder do estudo, Stephen Badylak, diretor adjunto do Instituto
de Medicina Regenerativa da universidade.
Badylak é um pioneiro no uso de matrizes extracelulares, tendo descoberto
muitas de suas propriedades há mais de duas décadas — enquanto realizava
pesquisas de engenharia biomédica na Universidade Purdue. Como parte de seu
trabalho num coração mecânico, ele procurava por uma maneira de mover sangue de
uma parte do corpo para outra, mas queria evitar materiais sintéticos — que
podem causar coágulos.
Assim, usando um cachorro de pesquisa chamado Rocky, ele substituiu a maior
artéria ao lado do coração por uma seção do intestino delgado.
— Hoje em dia, seria muito difícil eu conseguir aprovação para esse
experimento — acrescenta.
Quando chegou para trabalhar na manhã seguinte, Badylak esperava todo tipo de
problemas.
— Mas Rocky estava de pé na gaiola, querendo o café da manhã e abanando o
rabo. E eu pensei: bem, isso é excelente — conta.
Matriz extracelular vem de porcos e ovelhas
Experimentos posteriores mostraram que, com o tempo, o tubo havia perdido as
células internas que são específicas de intestinos e ganhado células específicas
de vasos sanguíneos.
— Ele havia se transformado numa estrutura como uma veia, o que consideramos
incrível. Mais tarde descobrimos que o responsável por isso não foi todo o
intestino, mas apenas a matriz extracelular — diz.
Matrizes extracelulares de porcos, ovelhas e outros animais vêm sendo
utilizadas na última década como uma camada de reforço para ajudar a reparar
músculos do ombro, hérnias e outros problemas.
— Cirurgiões pensam nelas como malhas que sustentam as coisas juntas — afirma
Badylak.
A maioria deles não compreende o papel da matriz no envio de sinais e no
reparo.
— Eles não entendem. Nós também não entendíamos, no começo — explica.
A matriz extracelular é isolada através da remoção de todas as células vivas
de um tecido ou órgão, deixando uma intrincada teia tridimensional de proteínas
e outros compostos. Remover as células elimina a possibilidade de que o
material, de origem animal, seja rejeitado pelo corpo durante a implantação. Mas
a matriz provoca uma reação imunológica menos intensa, disse Badylak, o que é
necessário para que ela funcione.
— Na verdade você precisa que o sistema imunológico reconheça o material. O
corpo pode dizer: "Isto não sou eu", mas os sinais que estão ali me dizem que
preciso reconstruir aquele tecido — continua.
A matriz precisa estar em contato com tecido saudável, e é por isso que o
tecido cicatrizado precisa ser removido primeiro.
— Se a colocarmos no meio de uma cicatriz, a região não se remodela, pois ela
não está exposta ao fluxo sanguíneo e fontes de células — explica Badylak.
Costurar a matriz diretamente no músculo também garante que ela será esticada
quando o músculo for ativado, a partir do dia seguinte à cirurgia, quando o
paciente inicia um programa intensivo de fisioterapia. Colocar uma carga
mecânica sobre a matriz diz ao corpo, de fato, que aquilo deve se tornar músculo
— e não algum outro tipo de tecido.
Efeito psicológico
Strang estava cético quando se inscreveu para o estudo e venceu todos os
obstáculos físicos para se qualificar — entre outras coisas, os pacientes
precisam ter um pouco de músculo remanescente e nervos suficientes para que o
músculo possa funcionar. Mas nesse ponto ele estava disposto a tentar qualquer
coisa para conseguir voltar a andar normalmente.
Ainda existe uma grande depressão na perna de Strang, ilustrando vividamente
como um pouco de novo tecido muscular pode fazer a diferença.
— Foi impressionante. Logo de cara eu consegui dar um passo completo, eu pude
dobrar o joelho, chutar um pouco, o bastante para aquele impulso inicial em que
a gravidade faz o resto do trabalho — afirma.
Duas semanas depois, ele estava na floresta, caçando com amigos.
Parte da melhoria inicial pode ter vindo da conexão mecânica entre a matriz e
o músculo existente, segundo os médicos. Mas conforme a matriz se degradava,
Strang continuou melhorando — embora houvesse sinais de que seu progresso estava
desacelerando.
A melhora teve também um efeito psicológico, diz Strang. Antes, ao entrar num
restaurante ou outro lugar lotado, ele passava algum tempo planejando onde
sentar — pois sabia que não conseguiria se mover rapidamente no caso de algum
perigo.
— Isso estava sempre no fundo da minha mente — explica.
Agora, conclui:
— Eu não preciso mais me sentar ao lado da porta.
Fonte Zero Hora
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