Síndrome é frequentemente negligenciada pelos médicos
Clea Howard de jeito algum é uma estudante desinteressada e desconectada do
ensino médio. Ela gosta de estar ocupada: além de manter um excelente nível
escolar em uma exigente escola localizada a uma hora de sua casa no Brooklyn,
ela estuda arte, tem aulas de dança e joga futebol.
No entanto, durante o primeiro ano e os anos seguintes, ela se sentia sempre
cansada, independentemente do quanto dormisse à noite. Ela sempre dormia na sala
de aula, no metrô, ao fazer lição de casa ou conversar com o namorado.
Mesmo quanto às férias, quando ela dormia 10 ou 11 horas por noite, Clea
contou:
— Eu ainda me sentia muito cansada durante o dia. Eu inventava pretextos,
talvez eu simplesmente precise dormir mais do que outros adolescentes, ou talvez
eu não me sinta mais cansada do que as outras pessoas.
O pediatra de Clea não descobriu nenhuma razão médica ou hábitos de sono
anômalos que explicassem o cansaço extremo e a tendência constante de cochilar
da garota. Um endocrinologista não conseguiu encontrar nenhuma anormalidade
hormonal ou alimentar. Talvez, disse seu pediatra, um estudo do sono pudesse
mostrar se Clea estava descansando adequadamente durante a noite para
restabelecer o corpo e a mente.
No Instituto de Distúrbios do Sono de Nova York, Clea encontrou uma
especialista no sono. Não demorou muito tempo até que a médica Maha Ahmad
detectasse um diagnóstico possível: a narcolepsia.
— Ela me fez um monte de perguntas, de seis a 10 páginas de perguntas de
sondagem, e me mostrou um folheto sobre a narcolepsia que listava os sintomas.
Eu tinha todos eles — lembrou Clea.
Além de ter uma tendência incontrolável para cochilar em momentos
inoportunos, Clea dobrava os joelhos sempre que ria ou ficava muito nervosa ou
estressada. Se uma perturbação menor ocorresse enquanto ela dormia, como se um
papel caísse sobre ela ou sua mãe ajeitasse os seus lençóis, ela acordava
gritando, aterrorizada, como se estivesse sendo atacada. Além disso, às vezes,
no momento em que estava caindo no sono ou acordando, ela se sentia paralisada,
incapaz de se movimentar ou falar.
Clea ficou aliviada ao saber que poderia haver uma explicação para sua
sonolência excessiva. Porém, foi necessário um estudo do sono para que se
chegasse a um diagnóstico definitivo. Dois exames foram administrados: uma
polissonografia, exame feito durante a noite que monitora tudo, desde frequência
cardíaca e respiração até ondas cerebrais, e um teste de latência múltipla do
sono, um exame de cochilos programados feito durante o dia que verifica se há
anormalidades no ciclo do sono.
Alguém que não possui um distúrbio do sono normalmente demora cerca de 12
minutos para adormecer; a fase do "movimento rápido dos olhos" (REM) do sono, na
qual a pessoa sonha, ocorre após mais de uma hora sem o sono com REM. O exame ao
qual Clea se submeteu mostrou que ela adormecia quase imediatamente e caía
rapidamente no sono com REM.
No sono com REM normal, os músculos ficam, de certa forma, paralisados, para
impedir que as pessoas se movimentem de acordo com os sonhos. Em uma pessoa com
narcolepsia, o estágio com REM é muitas vezes acompanhado por movimentos
musculares que resultam em inquietação e despertares frequentes.
As noites desordenadas são refletidas na excessiva sonolência diurna, que por
sua vez pode causar confusão mental, dificuldade de concentração, falta de
energia, depressão, exaustão extrema e, por vezes, lapsos de memória.
Depois de seus cochilos inevitáveis, as pessoas com narcolepsia se revigoram
apenas por pouco tempo. Dentro de uma ou duas horas, a sonolência incontrolável
se manifesta.
Problema comum
Estudos sugerem que a narcolepsia é muito mais comum do que a maioria dos
médicos acredita. O Centro de Narcolepsia da Universidade de Stanford calcula
que o problema afeta uma a cada 2 mil pessoas. A maioria dos casos não é
diagnosticada e tratada. Erros de diagnóstico são também muito comuns, pois a
narcolepsia é confundida com preguiça, depressão, esquizofrenia ou transtorno de
atenção.
- Geralmente, leva cerca de 10 anos desde o início do distúrbio para um caso
ser diagnosticado corretamente. Clea teve muita sorte, ela foi diagnosticada
rapidamente, em cerca de dois anos e meio — disse Ahmad.
Os sintomas geralmente aparecem pela primeira vez, como no caso de Clea, na
adolescência ou início da idade adulta, muitas vezes após um evento ocorrido no
ambiente em que a pessoa convive, como uma infecção viral. Os cientistas
conseguiram associar as causas da narcolepsia à destruição autoimune de cerca de
70 mil células do cérebro que normalmente produzem um neurotransmissor chamado
hipocretina.
Com uma quantidade insuficiente de hipocretina, o cérebro é incapaz de
regular o sono, e os estágios do sono se tornam desorganizados. Em vez de
começar a noite com 80 a 100 minutos de sono sem REM, o sono com REM começa
dentro de poucos minutos.
Em uma das manifestações mais bizarras da narcolepsia, os pacientes, durante
os seus minicochilos, podem continuar as atividades que estavam exercendo
enquanto acordados, ainda que de forma anárquica, e não se lembram de
exercê-las.
— Eu dormia enquanto estava escrevendo e continuava a escrever, mas quando
acordava, o que eu tinha escrito enquanto dormia era incompreensível — contou
Clea.
Variantes genéticas, especialmente em um gene envolvido na função imunitária,
foram associadas à narcolepsia. Mas embora essa variante ocorra em uma grande
maioria das pessoas com narcolepsia, ela também se manifesta em muitas outras
que não têm o transtorno.
Tratamento
A perda de hipocretina é irreversível, e a narcolepsia, assim, é uma doença
para a vida inteira. Foram desenvolvidos tratamentos para minimizar os sintomas,
mas eles exigem que os doentes sigam horários de medicação e comportamentos de
sono bastante estritos.
Clea, por exemplo, toma durante o dia um medicamento de ação prolongada
parecido com uma anfetamina, chamado Nuvigil, o que normalmente lhe permite
ficar acordada na escola. Ela toma um segundo medicamento, um forte sedativo
chamado Xyrem, quatro horas antes de dormir, e novamente mais tarde para
melhorar a qualidade do sono e reduzir os sintomas diurnos.
A maioria dos pacientes é instruída a também agendar uma ou mais sestas de 10
a 20 minutos durante o dia, algo que Clea acha um desafio cumprir ao chegar em
casa após a escola ou a aula de dança. Isso pode se tornar mais fácil, disse
ela, quando ela começar a faculdade no próximo outono, se ela conseguir criar
uma agenda com um intervalo entre algumas aulas.
Mesmo que tenha uma doença incurável com a qual terá que lidar pelo resto de
sua vida, Clea se considera sortuda por estar entre aqueles que recebem um bom
diagnóstico e tratamento.
— Eu realmente gostaria que mais pessoas entendessem que eu tenho um problema
biológico que requer tratamento médico e parassem de me dar conselhos para
experimentar diferentes dietas, remédios alternativos e obviedades — declarou
Clea.
Alguns chegam a dizer que ela deveria apenas se forçar a ficar acordada.
Se ao menos ela pudesse.
Fonte Zero Hora
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