Praticantes de boxe, MMA, futebol americano e rúgbi estão entre os mais
propensos à perda de funções cognitivas
A antiga suspeita de que a prática de esportes violentos, que causam
frequentes choques na cabeça, pode levar ao desenvolvimento de doenças
neurológicas crônicas foi reforçada na semana passada por um amplo estudo que
analisou o cérebro de 85 ex-atletas, amadores e profissionais, todos homens e já
falecidos, de boxe, artes marciais mistas (MMA), rúgbi e futebol americano -
modalidades de contato em que os praticantes sofrem pancadas na cabeça.
No estudo, publicado no jornal de neurologia Brain, pesquisadores da
Universidade de Boston, nos Estados Unidos, encontraram sinais de encefalopatia
traumática crônica (ETC) em 68 cérebros (80% dos casos). Desses, 64 eram de
atletas com histórico de choques cranianos repetidos. Havia 50 jogadores de
futebol americano (33 com passagem pela NFL, a liga profissional dos EUA), 8
boxeadores, 5 jogadores de hóquei no gelo e 1 lutador de wrestling (luta de solo
que envolve quedas).
A ETC costuma aparecer em atletas aposentados e causa degeneração de células
do cérebro. São quatro níveis de consequências: cognitivas com demência (perda
de atenção e memória), motoras (tremores, descoordenação, rigidez) e
psiquiátricas (irritabilidade, euforia, agressividade, paranoia). O quadro e a
intensidade dos sintomas variam de acordo com a quantidade de traumas e o tempo
de carreira. Há casos de depressão e suicídio.
O estudo não determinou o porquê de outros atletas com histórico de choques
no crânio não terem desenvolvido a ETC. Pesquisadores como os neurocirurgiões
Paulo Louzada, da UFRJ, e Charles André, da Academia Brasileira de Neurologia,
concordam que tais atletas têm "probabilidade maior" e podem antecipar quadros
de demência- mais comuns na faixa dos 65 anos.
"Tomografia e ressonância magnética não detectam as alterações. É preciso
fazer exames clínicos, neurológicos e cognitivos para apontar a probabilidade de
o esportista estar com ETC", diz Renata Areza, neurologista da USP. "A
comprovação só costuma ser feita com análise do cérebro doado após a morte."
Alertas
Pugilistas não têm informações claras sobre a ETC.
É comum ouvir relatos de boxeadores "sonados", com "olhar perdido" e
"dificuldade na fala".
A Confederação Brasileira de Boxe determina, em casos de nocaute, afastamento
de 30 a 120 dias e submissão a teste neurológico e cognitivo. Os demais atletas
devem fazer tomografia - incapaz de detectar a ETC. Bernardino Santi, médico da
entidade, questiona a representatividade dos estudos sobre lesões cerebrais
associadas ao esporte: "Não tem estatística que comprove que todos os atletas,
ou a maioria deles, tem lesão de cérebro por causa do boxe. Depende da qualidade
técnica do atleta".
Médica da Confederação Brasileira de MMA, Vanessa Resende estuda adotar no
País, em dois anos, teste cognitivo para atletas que sofreram choque cerebral
com perda de consciência. O ImpactTest, comercializado nos EUA, é usado por
times de futebol americano. Lá, jogadores processaram a NFL por causa das
doenças decorrentes das pancadas. Este ano, o órgão regulador do esporte criou
um programa de segurança para crianças - o fundamento de manter a cabeça
erguida, evitando choques.
"O uso de protetor de cabeça não é obrigatório", diz José Eduardo Moraes,
preparador físico da Confederação Brasileira de Rugby.
Fonte Estadão
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