Foto: Divulgação Projeto desenvolvido em Campinas é uma parceria entre instituição francesa e o LNBio, dentro do programa São Paulo Excellence Chairs |
A pesquisa vem sendo desenvolvida há cerca de um ano no Laboratório Nacional de Biociência (LNBio), em Campinas, no âmbito do São Paulo Excellence Chairs (SPEC), um programa-piloto da FAPESP que busca estabelecer colaborações entre instituições paulistas e pesquisadores de alto nível radicados no exterior.
Na semana passada, a parceria do LNBio com a França foi formalizada por meio da assinatura de um acordo com o Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS) que criou, dentro do LNBio, um Laboratório Internacional Associado (LIA) – uma espécie de laboratório sem muros que reúne pesquisadores e recursos dos dois países.
Denominado Bacwall, o projeto desenvolvido no LIA tem como meta estudar – por meio de técnicas de cristalografia com raios X, bioquímica, biologia molecular e microscopia eletrônica – os mecanismos de virulência que dependem da parede celular bacteriana para funcionar.
O grupo de Dessen no IBS já mantém colaborações com outras instituições europeias, entre elas o Instituto Pasteur (Paris) e a Universidade de Utrecht (Holanda), o que permite a formação de uma ampla rede que inclui o LNBio e o Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano) – ambos pertencentes ao Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM).
“A colaboração com o Brasil nos permite ousar e buscar objetivos mais ambiciosos. Na França, a situação financeira não é boa. Precisamos batalhar muito para conseguir contratar estudantes. As bolsas duram apenas três anos e não há possibilidade de renovação. Não podemos nos arriscar muito”, contou Dessen à Agência FAPESP.
Formada em Engenharia Química pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) em 1987, Dessen está fora do Brasil há 25 anos. Antes de se fixar na França, fez doutorado na Universidade de Nova York, nos Estados Unidos, e pós-doutorado primeiro no Albert Einsten College of Medicine e depois na Universidade Harvard. Especializou-se no estudo da estrutura de proteínas usando técnicas em bioquímica e cristalografia.
Nos últimos anos, já em Grenoble, Dessen tem se dedicado ao estudo de uma classe de proteínas conhecidas como PBPs (proteínas ligadoras de penicilina, na sigla em inglês), essenciais para a formação da parede celular bacteriana.
“Ao inibir a síntese dessas proteínas, a bactéria literalmente explode, pois a parede celular se torna frágil e incapaz de suportar a pressão interna da célula. Esse é o mecanismo de ação da penicilina e de seus análogos sintéticos, mas, graças a mutações, muitas bactérias já se tornaram resistentes”, disse a pesquisadora.
Segundo Dessen, há um grupo de doenças infecciosas – especialmente as causadas pela bactéria Staphylococcus aureus – que ainda mata mais do que a Aids e a tuberculose combinadas. “Temos uma população que está envelhecendo e um número cada vez maior de transplantados e de pacientes em tratamento contra o câncer. Estamos ficando mais sensíveis aos micróbios. Por isso, esse tema de pesquisa nos interessa”, disse.
Polo internacional
Além de Dessen, que, de acordo com o previsto pelo programa SPEC deve passar cerca de 10 semanas por ano no Brasil, durante pelo menos quatro anos, as pesquisas no LIA também estão sendo coordenadas pelo brasileiro David Neves, seu assistente de pesquisa e ex-aluno de pós-doutorado em Grenoble.
A equipe ainda conta com a doutoranda Mayara Mayele Miyachiro, bolsista FAPESP, e com o mestrando Paulo Madeira. Em agosto, também passa a fazer parte do grupo a pós-doutoranda francesa Samira Zouhir, da Universidade de Paris, que virá ao Brasil também com apoio da FAPESP.
“Zouhir foi selecionada entre cerca de 30 candidatos de vários países. Pretendemos ampliar o número de pós-doutorandos no grupo e, quando novas vagas forem abertas, vamos divulgá-las internacionalmente. A intenção é que o laboratório realmente seja um polo internacional”, disse Dessen.
Primeiros resultados
Até o momento, o grupo já publicou um comentário na revista Nature Chemical Biology sobre os fatores de virulência bacterianos.
Outros dois artigos resultantes de pesquisas coordenadas por Neves devem ser publicados em breve. Na revista mBio, da American Society for Microbiology, o tema foi a proteína macroglobulina.
“Essa proteína existe no sistema imunológico humano e, em 2004, descobriu-se que havia um homólogo nas bactérias. Em nossa pesquisa, mostramos que a estrutura da macroglobulina bacteriana é similar à humana, o que nos leva a crer que a proteína tem como função proteger a bactéria do sistema imune”, disse Neves.
Já o artigo previsto para sair no Journal of Molecular Biology aborda uma família de proteínas chamada internalinas, expressadas por bactérias da espécie Listeria monocytogenes, causadoras de infecção alimentar. Estima-se que as internalinas também façam parte da estratégia bacteriana para fugir do ataque do sistema imunológico.
No momento, Neves se dedica ao estudo de uma proteína de superfície sintetizada pela bactéria Staphylococcus aureus, que permanece na membrana celular do patógeno. Sua função é recrutar uma outra proteína do sistema imunológico humano chamada fator H, o que acaba inibindo o ataque à invasora.
“Pretendemos entender melhor como ocorre essa interação entre a bactéria e o sistema imunológico por meio do estudo da estrutura das duas proteínas", disse o pesquisador.
O projeto de mestrado de Madeira tem como objetivo investigar a estrutura de uma fosfolipase, secretada pela bactéria oportunista Pseudomonas aeruginosa para ajudar a romper a membrana das células do hospedeiro e facilitar o processo infeccioso.
Já Miyachiro vem se dedicando ao estudo de uma proteína de membrana da bactéria Thermotoga maritima, essencial para a síntese da parede celular. “Seu mecanismo de atuação pode inspirar um novo tipo de antibiótico”, disse Dessen.
O grupo ainda pretende testar uma biblioteca com mais de 30 mil compostos químicos comprados pelo LNBio do National Institutes of Health (NIH), dos Estados Unidos, para ver se são capazes de inibir a síntese das proteínas-alvo – sem as quais a sobrevivência da bactéria fica ameaçada.
“Estará disponível ainda, a partir de janeiro de 2014, aqui no LNBio, uma biblioteca de compostos da biodiversidade brasileira com cerca de 10 mil cepas de bactérias e fungos. Se os testes com moléculas compradas forem bem-sucedidos, pretendemos avaliar também as moléculas da biodiversidade brasileira, em colaboração com pesquisadores do Laboratório de Bioensaios do LNBio”, contou Dessen.
Colaboração internacional em pesquisa
Durante a cerimônia de inauguração do LIA, o diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, ressaltou que é parte importante da estratégia da Fundação promover oportunidades de colaboração internacional para os pesquisadores paulistas.
“Andrea Dessen foi a primeira selecionada para o programa SPEC e estamos felizes de ver os resultados do projeto que estamos financiando no CNPEM”, afirmou Brito Cruz.
Gilles Bloch, diretor da Divisão de Ciências da Vida da Comissão Francesa de Energias Alternativas e Energia Atômica (CEA), destacou que o IBS é um dos melhores e mais ativos laboratórios franceses na área de biologia.
“Estamos muito orgulhosos pela iniciativa de Dessen de criar essa ponte com o Brasil. Esse projeto é um bom exemplo do que é a biologia estrutural integrada. Parte do estudo da estrutura de biomoléculas e assim é capaz de lidar com problemas em nível celular e buscar aplicações clínicas. É uma grande oportunidade para nós de desenvolver laços fortes com o Brasil”, afirmou Bloch.
Também estiveram presentes à cerimônia Kleber Franchini, líder do lado brasileiro do LIA e diretor do LNBio; Carlos Alberto Aragão, diretor-geral do CNPEM; Renaud Blaise, diretor de Relações Internacionais da CEA; Serge Perez, conselheiro do Serviço Nuclear da Embaixada da França em Brasília; Jean-Pierre Briot, representante do CNRS no Brasil; Yassine Lakhnech, vice-presidente de Pesquisa da Universidade Joseph Fourier; e Gérard Chuzel, adido para a Ciência e a Tecnologia do consulado geral da França em São Paulo. O CNRS, a CEA e a Universidade Joseph Fourier são órgãos públicos franceses responsáveis pela tutela do IBS.
Fonte Agência FAPESP
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