São Paulo – Um corredor com um jardim bem cuidado conduz as gestantes à sala
de estar onde uma mesa com suco, frutas e bolos foi preparada especialmente para
recepcioná-las. Reproduzir o aconchego do lar na etapa final da gravidez é a
proposta da Casa Angela, uma das duas casas de parto de São Paulo, localizada no
Jardim Mirante, na periferia da zona sul da capital paulista. O vocativo
“mãezinha”, como costumam ser chamadas as gestantes em hospitais, é substituído
por Marlene, Suzana, Cristina. Mães, pais e bebês têm rostos e nomes nesses
locais, e eles têm, sobretudo, vontades.
É esse clima de naturalidade no momento de dar à luz e de respeito às
necessidades da família que tem feito mulheres optarem pelas casas de parto em
vez de recorrer a hospitais bem equipados. “Fiquei assustada quando voltei a
morar no Brasil e descobri que, caso fizesse meu parto em hospital particular,
teria até 90% de chance de passar por uma cesariana”, relata a administradora de
empresas Marlene Ábila, 32 anos, que teve seu filho Ramon na Casa Angela, em
janeiro deste ano. A casa atende apenas mulheres com gravidez de baixo risco,
que não passam por procedimentos cirúrgicos ou intervenções médicas para dar à
luz.
O relatório Situação Mundial da Infância 2011, do Fundo das Nações
Unidas para a Infância (Unicef), mostra que a taxa de cesárea no Brasil é a
maior do mundo, com 44%. De acordo com o Ministério da Saúde, considerando
apenas a rede privada, esse percentual quase dobra e chega a 80%. A recomendação
da Organização Mundial da Saúde (OMS) é que as cirurgias correspondam a, no
máximo, 15% dos partos.
Marlene relata que pôde comparar os serviços da casa de parto aos de um
hospital, quando o filho Ramon precisou tratar uma doença. “Lá, eu era a
mãezinha e meu filho o RN [recém-nascido], já que ele ainda não tinha certidão
de nascimento. Na casa de parto, sempre fomos Marlene e Ramon, senti como se
estivesse parindo em casa”, lembra.
A unidade funciona 24 horas. A equipe é formada por oito enfermeiras obstetras,
técnicos de enfermagem, psicólogo, fisioterapeuta e massagista. Podem ser feitos
até quatro partos simultaneamente. Os quartos dispõem de camas hospitalares e de
equipamentos que podem ser utilizados pelas mulheres no momento do parto, como
banheira e bancos adaptados.
O ambiente acolhedor fez a enfermeira Camila Nogueira Rodrigues optar por
trabalhar na Casa Angela. “Fiquei muito impactada pela falta de sensibilidade
nos hospitais, que tipo de lugar era aquele que os pais só podem ver o bebê por
meia hora? A dinâmica hospitalar é muito rápida e acaba por não respeitar o
tempo das mulheres.”
“Em geral, a cultura do parto no Brasil, principalmente nos hospitais particulares, é extremamente intervencionista. Todo o saber de como acompanhar o parto normal desapareceu no ambiente hospitalar”, avalia a coordenadora-geral da Casa Angela, Anke Riedel. Ela relata que os partos naturais duram, em média, 12 horas, enquanto uma cesariana leva apenas de 30 a 40 minutos. “Existem vários motivos para que isso ocorra, mas a principal é a questão do lucro, pois o parto normal requer todo um cuidado e acompanhamento que não é bem pago”, aponta.
A Casa Angela é vinculada à organização não governamental (ONG) Monte Azul,
que atua há 35 anos na comunidade, e atende gratuitamente mulheres das regiões
do M'Boi Mirim e Campo Limpo. Para gestantes de outras localidades, é feita uma
avaliação para saber se elas têm condições de arcar com os custos do
atendimento. “Nossa intenção era manter a casa integrada ao serviço público de
saúde, mas, diante da impossibilidade, essa foi a forma que encontramos de
conseguir atender mulheres carentes”, explica Anke Riedel. Para quem pode pagar,
são cobrados R$ 3,5 mil para o pré-natal e o parto. Quem desejar cuidados extras
durante o pós-parto, como o acompanhamento pediátrico do bebê – tem de arcar com
mais R$ 500.
De fevereiro, quando a Casa Angela começou a funcionar, a setembro deste ano,
foram registrados 100 nascimentos. A coordenadora-geral da casa explica que é
possível fazer até 40 partos por mês. Segundo ela, 50% das mulheres atendidas
vêm de outras localidades. Anke Riedel avalia que muitas mães da região procuram
o serviço por ser uma opção gratuita. “As mulheres que vem de fora sabem o que
querem, se informaram muito para ter um parto humanizado. As que são daqui vêm
porque encontram um atendimento muito diferenciado, individualizado”,
avalia.
Antes do parto, as gestantes passam por, pelo menos, seis consultas de
pré-natal na própria casa. A administradora Suzana Silva de Sousa, 24 anos, fez
a última no dia 2 de outubro. No plano de parto – um questionário em que as mães
dizem como imaginam o momento de dar à luz – Suzana escolheu dividir esse
momento com o marido e a mãe. “São as duas pessoas que me passam confiança.
Vamos colocar velas aromáticas para deixar o ambiente agradável. Estou
tranquila”, contou. Suzana está na 40ª semana de gestação e aguarda a chegada de
Tamires a qualquer momento.
Na cidade de São Paulo, a Casa de Parto de Sapopemba faz um trabalho semelhante.
Localizada na zona leste da capital, a estrutura é mantida pela prefeitura. O
casal Rafael Vieira da Silva, 29 anos, e Camila Inês Rossi, 27 anos, escolheu o
espaço para o nascimento da filha Anisha Raiz, que hoje tem 1 ano e 4 meses.
Eles conseguiram criar o ambiente que haviam planejado para o momento.
“Estendemos tecidos pela sala, cantamos, ouvimos mantras. Foi muito lindo”,
conta a mãe.
Para Camila, a presença do companheiro foi essencial para aumentar a
confiança no momento do parto. “A gente diz que pariu junto. O corpo do Rafael
junto do meu fez toda a diferença. A gente fez isso junto. Ele precisava estar
lá comigo”, relata. Segundo ela, o pai acompanha todo o procedimento na casa e o
bebê, logo após o nascimento, vai para os braços da mãe.
Tanto na casa do Jardim Mirante quanto na de Sapopemba uma ambulância fica
disponível para casos em que a transferência para hospitais seja necessária.
Anke Riedel destaca, no entanto, que, até agora, não foi preciso recorrer ao
veículo para casos de emergência. “Utilizamos em situações bem tranquilas,
quando verificamos, no trabalho de parto, que não havia condições de fazê-lo na
casa”, relata citando situações como a mudança de posição da criança durante o
procedimento. Segundo ela, a transferência para o hospital da região leva, no
máximo, dez minutos.
Na opinião de Camila Rossi, a participação de médicos no parto deve ser o
último recurso. “Quando é necessário intervenção, que bom que existem os
médicos, mas isso deve ser a exceção. Para algo que é natural, não é necessário
procedimento cirúrgico. Gravidez não é doença.”
A coordenadora da Casa Angela reforça que o parto humanizado torna as
mulheres protagonistas nesse momento. “Esse trabalho fortalece muito os vínculos
afetivos e torna a mulher um sujeito ativo desse processo”, avalia.
Durante quatro dias a reportagem da Agência Brasil entrou em
contato com a Secretaria de Saúde da prefeitura de São Paulo, responsável pela
Casa de Parto de Sapopemba, mas não conseguiu autorização para visitar o local,
assim como não obteve as informações sobre o funcionamento e o número de partos
feitos por mês.
Camila Rossi, que teve bebê no local, avalia que não
há interesse por parte do governo municipal em divulgar a unidade. “É um
serviço muito boicotado. O telefone de lá muda sempre. Se qualquer hospital
quiser fazer a divulgação dos seus serviços, isso é super bem visto, mas na casa
de parto, não”, criticou.
Fonte Agência Brasil
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