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segunda-feira, 11 de março de 2013

Como é a vida de quem é intolerante ao glúten e à lactose

Alimentos aparentemente inofensivos como uma fatia de pão e um copo de leite podem causar muito mal
 
Atividades aparentemente inofensivas como tomar a hóstia na Igreja ou usar um hidratante corporal podem fazer muita gente ir parar no hospital. Isso porque contém glúten, uma substância que, para os intolerantes, pode causar uma verdadeira indisposição no organismo. Diferentemente do que muitos pensam, a substância não está presente apenas nos alimentos, mas em muitos utensílios de uso doméstico que possuem, em sua composição, trigo, centeio, cevada e malte.
 
Chamada doença celíaca, a intolerância ao glúten geralmente se manifesta na infância, entre o primeiro e terceiro ano de vida, mas muitos descobrem somente na vida adulta. O tratamento depende de uma dieta de privações, e quem tem a doença não pode comer pães, bolos, bolachas, macarrão, pizzas, nem tomar cervejas, whisky, vodca, por exemplo.
 
O apoio especializado ajuda bastante nessa hora. No caso de Ana Paula Carneiro Monteiro, entrar em contato com a Associação de Celíacos do Brasil fez toda a diferença. Atual presidente da entidade, ela diz que encontrou no grupo informação e entendimento para lidar com o problema. Há seis anos com a doença, Ana já consegue tirar de letra os desafios de conviver com a restrição alimentar. Prova disso é que ela acaba de voltar de um cruzeiro pela costa brasileira onde havia uma ala dedicada exclusivamente para os celíacos. Mas nem sempre foi assim. Já enfrentou muita dificuldade para driblar as comidas convencionais.
 
— Hoteis e restaurantes não costumam estar adaptados para lidar com a diferença — resume Ana.
 
Foi também por meio da Acelbra que a jovem Thais Severo Romero encontrou dicas sobre a cerveja especial para celíacos. Vendida em loja especializada, ela diz que o sabor é bom, mas que pagar cerca de R$ 14 por uma long neck não permite que se tome sempre.
 
Outro tipo de intolerância bastante comum é à lactose, quando o corpo não possui a enzina que digere a proteína do leite. Em ambos os casos, é preciso readaptar a dieta e mudar radicalmente os hábitos alimentares, caso contrário, as indisposições estomacais podem permanecer para o resto da vida e levar a consequências mais graves.
 
Além do fator genético, outra causa associada à intolerância da lactose é a etnia. A gastroenterologista e professora da UFRGS Themis Reverbel explica que a prevalência é alta nos orientais e negros, e menos comum nos brancos. Na população brasileira, há ocorrência de 50% dos casos entre os brancos, 85% entre os negros e quase 100% nos orientais.
 
De acordo com Themis, esse é um problema que ocorre em mais da metade da população, mas nem todos sabem:
 
— No caso dos intolerantes à lactose, o que ocorre nas células é uma mutação benéfica. O normal seria não poder tomar leite. Quem tolera, pode. Essa transformação genética ocorreu a partir da domesticação dos animais, em um processo chamado coevolução.
 
A intensidade da intolerância é muito variável. A sensação de desconforto e os efeitos serão sentidos de acordo com o grau de cada pessoa. Em casos mais leves, quem não aguenta ficar sem um copo de leite ou uma fatia de queijo pode tomar remédios que ajudam a metabolizar a lactose (uma espécie de lactase artificial) e que pode melhorar a absorção do alimento.
 
O que o olhos não veem, o corpo sente
Diferentemente da intolerância à lactose, que é mais fácil identificar pela presença de leite nos alimentos, o glúten é invisível. Um prato de arroz branco, por exemplo, não contém glúten. Contudo, se quem preparou o arroz acrescentou um tablete de caldo industrializado, a chance de o mesmo prato apresentar glúten é enorme, pois a grande parte dos caldos industrializados contém tal proteína. Este é um desafio de muitas pessoas que têm a doença.
 
Para Ana Paula Carneiro Monteiro, da Acelbra, falta atenção aos intolerantes, tanto nas opções de restaurantes, na parte da venda dos produtos e na compreensão das pessoas em relação à doença. Segundo ela, há uma lei que obriga os fabricantes de alimentos a informarem na embalagem se o produto contém o glúten ou não. Mas, em relação ao leite, não há nenhum tipo de regulamentação. Outra questão que costuma pegar muitas pessoas com intolerância desprevenidas são os remédios contendo lactose.
 
— É um direito o consumo de remédios com informação — afirma.
 
Para evitar problemas, sempre que vai jantar fora, Ana Paula telefona para o restaurante para se assegurar de que haverá opções para os celíacos. Outra situação que requer cuidados básicos são os hotéis. Sempre que vai viajar, ela manda e-mail para garantir o café da manhã.
 
Mudança radical e positiva
Os problemas que tinha ao tomar leite e a estranha sensação sentida após comer sorvete nunca haviam feito Tatiane Kendzerski de Souza desconfiar que era intolerante à lactose. Aos 26 anos, porém, a diretora financeira da empresa WBI Brasil decidiu investigar a causa desse mal-estar depois que a a mãe fez o exame para intolerância à lactose que acusou um grau leve. Tatiane descobriu intolerância total. A primeira decisão foi de não radicalizar e tentar manter alguns alimentos preferidos na dieta. Para isso, tentou tomar as enzimas de lactase, o que não resultou bem. Sua postura em relação à alimentação só se alterou quando a jovem começou a frequentar uma nutricionista. Foi aí que passou a substituir os alimentos e enfrentar uma série de restrições:
 
— O mais difícil é comer fora de casa. Nem sempre se tem como saber se aquela comida tem ou não leite.
 
Dentro de casa, a estratégia para manter a dieta saudável e gostosa foi buscar em lojas especializadas itens para substituir na refeição. Ela explica que, apesar do alto custo, existem locais que vendem comidas direcionadas para celíacos e intolerantes, e diversos blogs oferecem dicas de receitas. Como é adepta à cozinha, Tatiane encara de forma positiva o desafio:
 
— É ótimo ver que você pode, sim, continuar a comer o que sempre gostou, e que agora elas não te fazem mal — anima-se.
 
A mudança influenciou também o cardápio do marido, Marcius Saldanha, que mesmo não sendo intolerante ou celíaco, também notou diferença no organismo e até perdeu alguns quilinhos com a reeducação.
 
Intolerâncias paralelas
Como se um tipo de intolerância não fosse suficiente para mudar a rotina alimentar de Camila Reus Torbes, de 21 anos, a estudante de Biomedicina descobriu que tem três tipos: é intolerante ao leite, ao ovo e ao glúten. Foram muitas dores de barriga, vômitos e idas ao hospital até comprovar o verdadeiro problema.
 
— Sempre comi de tudo, tinha azia e nem imaginava que era intolerância.
 
Tudo começou há cerca de um ano e meio, quando a jovem suspeitava que tinha gastrite e decidiu investigar. Procurou um médico e fez endoscopia com biópsia. O exame apontou intolerância radical ao glúten. Em seguida, testou a resistência à lactose, e o exame apontou que ela não possui a lactase, enzima que processa a proteína do leite. A soma de resultados levou ao diagnóstico de doença celíaca e à completa mudança na dieta de Camila. Dois meses depois, ela já notou diferenças.
 
Melhorou inclusive, a forte enxaqueca que acompanhava os problemas estomacais. Mas claro, isso teve um preço. Além de ter que reduzir fortemente as idas a restaurante, devido à chamada contaminação que alguns alimentos sofrem por terem sido preparados no mesmo local, ela começou a carregar uma marmita para onde vai. As comidas feitas em casa são compradas em mercados comuns ou lojas especializadas por preços bastante acima da média. Para se ter uma ideia, um pacote de massa sem glúten custa cerca de R$14. Um chocolate, R$9. E para fazer o rancho completo do mês, vai quase R$700.
 
Mesmo que a adaptação exige cuidados extras, Camila garante que dá para continuar comendo bem e não passar fome. No café da manhã, costuma tomar um remédio que produz a enzina lactase e permite que ela possa comer queijo. Alguns alimentos como o pão, porém, não caíram nas graças da estudante:
 
— Até que é bom, mas é duro e costuma se desmanchar.
 
Como descobrir?
Com grande frequência as intolerâncias são confundidas com úlcera ou gastrite. Saiba como proceder para ter um diagnóstico correto.
 
Lactose
Há dois tipos de testes mais comuns. Um é o exame de sangue. A pessoa faz a ingestão da lactose e coleta várias amostras para ver como o sangue reage. Outro tipo é a análise molecular da hipolactasia, exame descoberto há dois anos no Hospital de Clínicas, onde um teste genético permite identificar a mutação da lactase. Este teste é menos invasivo ao corpo, porém, ainda não foi liberado para o SUS e outros convênios e é feito exclusivamente pelo sistema privado ao custo de R$ 120.
 
GlútenOs exames de sangue são muito utilizados na detecção da doença celíaca. Os exames de anticorpo antitransglutaminase e do anticorpo antiendomísio são altamente precisos e confiáveis, mas insuficientes para um diagnóstico. A doença celíaca deve ser confirmada encontrando-se certas mudanças nos vilos, dobras que revestem a parede do intestino delgado. Para ver essas mudanças, uma amostra de tecido do intestino delgado é colhida por meio de um procedimento chamado endoscopia com biópsia (uma sonda é inserida pela boca, passa pela garganta e estômago, chegando ao intestino delgado para obter pequenas amostras de tecido).
 
O que é o glúten?
É a principal proteína presente no trigo, aveia, centeio, cevada e no malte (subproduto da cevada), cereais amplamente utilizados na composição de alimentos, medicamentos, bebidas industrializadas, assim como cosméticos e outros produtos não ingeríveis. Na verdade, o prejudicial e tóxico ao intestino do paciente intolerante ao glúten são "partes do glúten", que recebem nomes diferentes para cada cereal. O glúten não desaparece quando os alimentos são assados ou cozidos, e por isto uma dieta deve ser seguida à risca. O glúten agride e danifica as vilosidades do intestino delgado e prejudica a absorção dos alimentos.

Fonte Zero Hora

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