Veja como é a jornada dos residentes. Depois de superar os vestibulares, os estudantes encontram em intercâmbios de estudos um diferencial para vencer as barreiras por uma vaga
“Extremamente competitivo e até muitas vezes injusto”. São com essas palavras que Amanda Jurgensen define o cenário de residências médicas (RM) no Brasil. Estudante do 5º ano de Medicina, a jovem de 22 anos já se prepara para conseguir uma das 28,5 mil vagas localizadas em todas as unidades de programas de residência credenciados ou a recredenciar.
Há em funcionamento cerca de 3,5 mil programas de RM no País, mais exatamente 3.497, segundo o estudo intitulado “Demografia Médica no Brasil”, promovido pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp).
À primeira vista, é possível pensar que é suficiente a oferta atual de vagas de residência se forem considerados fatos como o de que 20 a 30% das vagas disponíveis anualmente não têm sido ocupadas. Foi o caso, por exemplo, do ano de 2007, em que das 25 mil vagas oferecidas pelo conjunto dos programas nacionais de RM, oito mil não foram preenchidas (32%). Ou da situação descrita no relatório final da CPI da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, que apontava a ociosidade de 5 mil vagas das 26 mil disponíveis no País para aquele ano.
O CFM diz que esta “sobra” de vaga ocorre, entre outros fatores, porque há áreas que ofertam programas prioritários com muitas bolsas disponíveis, mas em especialidades que não contam com grande procura por parte dos médicos recém-formados, como saúde da família e comunidade, pneumologia, nefrologia, neurologia e cirurgia cardiovascular. Pesa, ainda, a busca concentrada por mais vagas em regiões mais desenvolvidas do Brasil e a procura mais rarefeita nas regiões menos desenvolvidas e mais necessitadas de médicos.
Mas Amanda não quer contar com tanta sorte e para não tropeçar em nenhuma pedra no meio do caminho, a futura médica optou pela vivência internacional com o programa de intercâmbio Ciências sem Fronteiras.
“Há poucas vagas para muitos médicos. Provas que avaliam conhecimentos teóricos e pouco práticos e que algumas vezes podem deixar de fora futuros bons profissionais”, considera. “A residência é um passo fundamental no nosso treinamento e infelizmente nem metade dos alunos que está se formando consegue passar.”
A opção encontrada pela estudante é a mesma de outros três acadêmicos do curso de Medicina da Faculdade Evangélica do Paraná, que embarcaram em setembro para o Reino Unido e Canadá. A ideia é que o grupo qualifique ainda mais o currículo por meio de estágios nas áreas de Biomedicina e Ciências da Saúde em universidades do exterior.
“Conhecer e aprender medicina em um país considerado de primeiro mundo é uma oportunidade única. Tenho certeza que essa experiência ajudará na minha organização pessoal e disciplina, que são essenciais na preparação para as provas de residência médica. E é claro, será um diferencial na análise de currículo, que poderá definir a entrada ou não em uma boa residência”, avalia Eneas Eduardo Sucharski, estudante atual de Clerkship da faculdade de medicina da University of Manitoba, no Canadá, o que corresponde ao internato do curso de medicina no Brasil.
O intercâmbio constitui-se em duas partes: na primeira os brasileiros irão estudar junto com os alunos estrangeiros durante o período letivo; a segunda etapa, que começa em julho de 2013, prevê que os acadêmicos façam estágios em laboratórios de pesquisa por três meses.
Um diferencial, segundo Guilherme Ramos, que embarcou para o Reino Unido, é o contato direto com disciplinas mais específicas, como Microbiologia Médica. “São áreas que no Brasil não focamos muito durante o curso de medicina e, definitivamente, isso será um diferencial em nosso currículo quando voltarmos”, diz.
“Apesar de no Brasil grande parte dos concursos valorizar muito mais as provas do que o currículo dos candidatos, em muitos locais o CV ainda tem uma parcela de participação, e com a grande competitividade dos concursos atualmente, qualquer diferencial pode colocá-lo dentro de uma boa instituição.”
Possível Solução
Na visão de Ramos, muitas faculdades de medicina foram abertas com o intuito de levar médicos para o interior e áreas em que faltam profissionais. No entanto, a maioria dos estudantes prefere atuar em grandes centros urbanos, onde existem melhor infraestrutura e qualidade de vida.
Assim, ainda faltam médicos no interior e os concursos de residência possuem cada vez mais candidatos. “Quem sabe se o processo de seleção fosse alterado, com avaliações seriadas durante todo o curso, somado a uma maior valorização do currículo pessoal dos candidatos, como é feito nos EUA e em muitos outros países, fosse possível encarar este processo de uma maneira diferente, sem deixar de lado o curso em si”, sugere Ramos.
E agora? Depois de aprovado os desafios continuam…
Depois de vencidas as barreiras em relação ao número de candidatos por vaga, os desafios principais residem nos problemas estruturais de um hospital, principalmente quando público.
A falta de alguns medicamentos e exames laboratoriais em muitos casos é a dificuldade mais comum vivenciada pelos residentes das instituições. Pelo menos, esse é um dos pontos relatado por Rodrigo Pirmez, R3 em Dermatologia no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF), conhecido como Hospital do Fundão, no Rio de Janeiro.
“Outro fator que me incomoda é o desprestígio do governo em relação aos nossos professores. Médicos com doutorado, pós-doutorado recebem um salário desproporcional ao grau de experiência, conhecimento e destaque acadêmico. Atualmente, qual é o estímulo à carreira acadêmica para um médico? Acredito que há uma progressiva evasão de mentes do setor público para a prática privada. Em última instância, quem sofrerá será a população”, avalia.
Conciliar a alta demanda de atendimento com a qualidade de serviço é outro desafio enfrentado diariamente por um residente de Ginecologia e Obstetrícia, também do Hospital do Fundão.
Durante a correria do dia a dia, depois de duas tentativas, Marcelo Morais Barbosa consegue um tempo para conceder entrevista e relata que entre outras áreas com problemas está a cirúrgica, de ambulatório e a distância entre os centros de Ginecologia e o de Maternidade escola. “Isso sem contar a alta carga teórica que temos de cumprir”, diz.
O remédio certo
Certamente há como melhorar esse cenário, pelo menos na visão de Pirmez, que acredita que investimentos e correta administração dos recursos proporcionariam aos hospitais públicos bons resultados. “Consequentemente, a qualidade da residência médica também melhoraria. A demanda no nosso hospital é enorme. Certamente há espaço para crescer ainda mais”, pondera.
O nome do remédio para a cura dos hospitais universitários na verdade já é conhecido, mas cada caso é um caso. Barbosa, inspirado a cursar medicina por incentivo de parentes médicos e que, por coincidência, residiram na mesma instituição que ele, acredita que apesar de o Hospital do Fundão ter problemas, muitos não interferem na sua área.
“O movimento cirúrgico é um dos poucos que deixa a desejar. Sei que não é o papel da universidade, mas poderia ter um pouco mais de demanda cirúrgica, embora isso não atrapalhe na formação médica”, relata. “Não sei se a questão aqui é escassez de verba, mas a má administração hospitalar acontece em alguns casos, o que faz faltar coisas básicas dentro da instituição. Coisas básicas que fazem a diferença e interferem no aprendizado”, conclui.
O profissional gestor
São poucos os médicos que hoje decidem seguir um caminho diferente e seguir o rumo da área administrativa. E parece que esse quadro se manterá. Quando questionados sobre a possibilidade de fugir da medicina tradicional e seguir o lado gestor, ambos os residentes foram diretos na resposta negativa.
O gosto por clinicar e praticar a medicina são os pontos destacados por eles. “Gosto muito do que eu faço. Ter contato com o paciente é muito importante para mim, fiz medicina por isso, tive influência da família”, revela Barbosa. “Não trocaria isso por uma função administrativa”, completa Pirmez.
Perfil da residência
Estudos da Secretaria de Gestão do Trabalho e Ensino em Saúde, do Ministério da Saúde, apontam que, em pelo menos sete especialidades, há menor procura por Residência – a saber: pediatria, psiquiatria, neurocirurgia, intensivista, neonatologia, medicina de urgência e de saúde à comunidade.
Considera-se que, nelas, os residentes são muito exigidos e geralmente trabalham em condições técnicas desfavoráveis.
Naturalmente, esse fato determina carências importantes no provimento de profissionais qualificados em várias localidades do país.
A análise da documentação disponível no portal do MEC/CNRM permite depreender que é ofertada no País, Residência Médica em 111 denominações, em seis níveis – de R1 a R6 -, sendo que a ampla maioria dos programas oferece residência apenas nos níveis 1 e 2.
São oferecidas 11.166 vagas de R1, quase a metade delas (48,8% ou 5.448 vagas) nas áreas básicas de formação (Clínica Médica, Cirurgia Geral, Ginecologia e Obstetrícia, Pediatria e Medicina de Família e Comunidade) e as demais, nas diversas especialidades e modalidades restantes. Em outras palavras, do total de vagas de residência disponíveis no Brasil, 39,3% são para R1, acomodando-se todas as demais especialidades e níveis da residência – de R2 a R6 – nos 60% remanescentes
Processos para RM no Rio de Janeiro
A residência médica do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF), na capital fluminense, teve 2.230 candidatos para 206 vagas no concurso de 2012.
As provas para esta faculdade acontecem geralmente em outubro de cada ano e estão disponíveis para todos os profissionais formados em medicina e com o conselho regional em dia.
O HUCFF possui residência em todas as especialidades, sendo clínica médica a mais concorrida, seguida de cirurgia geral e pediatria.
Atualmente o hospital conta com um total de 297 residentes atuantes e 322 vagas disponíveis para 2013.
Fonte SaudeWeb
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