"Você simplesmente se transformou em outra pessoa. Seu rosto sofreu uma metamorfose", reagiu, surpreso, Ron Blackwell, no exato momento em que uma área específica de seu cérebro foi estimulada por eletrodos.
O experimento, conduzido por pesquisadores da Universidade Stanford e publicado na revista científica "Journal of Neuroscience", conseguiu pela primeira vez estabelecer uma relação causal entre a região cerebral conhecida como giro fusiforme e o processamento de faces humanas.
"Estudos de ressonância magnética funcional já haviam mostrado que o giro fusiforme estava envolvido na percepção consciente de faces humanas", explica o neurocirurgião Fábio Godinho, que fez doutorado no Instituto de Neurociências de Lyon.
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"O que os cientistas conseguiram mostrar foi a existência de uma relação de causa e efeito entre essa região e o reconhecimento de rostos."
Blackwell, um homem de 45 anos que sofre de epilepsia, recebera os eletrodos para facilitar o mapeamento das áreas de seu cérebro que eram ativadas durante as crises epilépticas.
Como as áreas de origem da epilepsia no paciente eram as mesmas já associadas anteriormente ao reconhecimento de faces, os pesquisadores utilizaram os mesmos eletrodos para a experiência.
Um vídeo de Blackwell foi gravado no momento em que o giro fusiforme de seu cérebro recebia os estímulos. Ele relatou que os rostos não se transformavam em outros, mas ficavam distorcidos.
Uma viagem
"Foi uma viagem... É quase como se os traços de seu rosto tivessem ficado caídos", declarou. Outros objetos, porém, não sofreram distorção, disse Blackwell, falando com o médico responsável por seu tratamento e um dos autores do trabalho, Josef Parvizi.
Os pesquisadores utilizaram três técnicas diferentes para obter os achados. Duas serviram para achar áreas específicas do giro fusiforme relacionadas ao reconhecimento de rostos.
A terceira induziu uma distorção da percepção quando os eletrodos estavam exatamente nos lugares apontados pelas duas primeiras. "É como se uma técnica corroborasse a outra", diz Godinho.
O trabalho dos pesquisadores pode vir a ajudar no tratamento da prosopagnosia, espécie de "cegueira para feições", que impede as pessoas que sofrem desse distúrbio de distinguir rostos.
Também pode ajudar a entender porque algumas pessoas são muito melhores que outras em reconhecer faces.
Complicações
No século 19, era predominante a visão frenológica do cérebro. Cada pequena parte do órgão seria responsável por uma função específica.
Essa visão caiu por terra há tempos, em favor da ideia de redes neurais: uma mesma área pode estar envolvida em vários processos mentais, dependendo da conexão que ela guarda com outras áreas.
De acordo com Godinho, "uma das limitações do estudo, e os autores estão cientes disso, é que ele não consegue determinar com toda a precisão a circuitaria cerebral envolvida no reconhecimento de faces humanas".
"Os autores perturbaram o funcionamento de uma região que deve fazer parte de um circuito complexo, envolvendo principalmente regiões frontais do cérebro."
Para o neurocirurgião, o giro fusiforme provavelmente faz o processamento de formas e cores da face, enquanto outras áreas lidam com coisas como as associações emocionais que um rosto traz.
Fonte Folhaonline
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