Depois de quatro anos de negociações, 140 países chegaram neste sábado, 19, ao
primeiro acordo global para começar a banir o mercúrio. Mas, num enfrentamento
entre países emergentes e ricos, a comunidade internacional fracassou em chegar
a um entendimento para eliminar o uso do produto no garimpo e na geração de
energia, deixando esses setores sem metas.
Para cientistas, o acordo "não é suficiente" e não estabelece tetos de
emissões de mercúrio, considerado como um dos dez poluentes mais perigosos para
a saúde humana.
A sessão que estabeleceu a Convenção Minamata sobre Mercúrio - nome dado em
homenagem à cidade japonesa que teve parte da população envenenada na metade do
século 20 por conta de descargas industriais de mercúrio -, entrou pela
madrugada e só acabou nas primeiras horas do sábado.
O Brasil defendia que proibições entrassem em vigor apenas em 2025 para o
setor industrial e que o garimpo ainda fosse deixado de fora do prazo.
Pelo acordo, diversos usos do mercúrio na indústria serão banidos até 2020.
Entre eles estão algumas baterias, tomadas, alguns tipos de lâmpadas, sabão e
produtos cosméticos.
Alguns instrumentos de medição, porém, continuarão a usar o mercúrio, já que
técnicos chegaram à conclusão que ainda não existiria um substituto. Os governos
também concordaram em reduzir gradativamente o uso do produto em obturações
dentárias.
Brasil e Estados Unidos ainda se aliaram em tentar promover a ideia de que
poderiam continuar exportando mercúrio, mesmo diante das novas proibições. Mas a
proposta foi rejeitada pela maioria dos países, que quer o fim do comércio em 15
anos.
Mas um dos mais sérios entraves ocorreu quando o debate esteve relacionado
com o garimpo. Países europeus insistiam por um prazo para o fim do mercúrio no
garimpo artesanal, uma prática que ainda vigora na região Norte do Brasil, além
de na África e na Ásia.
Segundo os especialistas, o uso do produto, que facilita a mineração ao criar
um amalgama com o ouro (mais informações nesta página), acaba jogando na
atmosfera toneladas de mercúrio e que levarão décadas para serem absorvidas.
Emissões históricas
Mas governos de países emergentes
alertaram que não havia como estabelecer um prazo para a eliminação, inclusive
porque uma proibição forçada apenas faria com que o comércio ilegal do produto
explodisse. Outro argumento é de que, se a taxa de emissão hoje na atmosfera é
alta, parte da responsabilidade é dos países ricos que, no século 19, abusaram
do produto em seus garimpos, como nos EUA.
O compromisso foi de que as nações aceitariam tomar ações voluntárias e sem
prazos fixos para banir o mercúrio. Pelo acordo, países terão três anos a partir
da data de ratificação do tratado para elaborar uma estratégia para reduzir o
mercúrio no garimpo, sem um compromisso legal de eliminá-lo nem de concluir essa
estratégia dentro de um prazo. Na prática, não há qualquer compromisso em acabar
com o mercúrio nos garimpos.
Outro fracasso foi a negociação para o estabelecimento de um teto de emissões
de mercúrio em usinas de energia, uma prática corrente na China e na Índia.
Pequim e Nova Délhi se recusaram a aceitar um compromisso de banir o poluente de
sua produção de energia, mais uma vez usando como alegação o fato de que países
ricos usaram a tecnologia por décadas.
Os países asiáticos pediram que governos ricos financiassem uma transferência
de tecnologia para permitir que alguma meta fosse incluída no acordo.
Mas sem um compromisso dos países em desenvolvimento, nenhum compromisso foi
fechado, e a negociação foi adiada para 2014 ou 2015.
Insuficiente
Para cientistas, o acordo não é ainda a
resposta que o mundo precisa contra o mercúrio. "O acordo não é exigente o
suficiente para conseguir reduzir as emissões de mercúrio", declarou Joe
DiGangi, do instituto Ipen (rede internacional para a eliminação dos poluentes
persistentes). Segundo ele, não há exigências para que governos criem planos
nacionais sobre como irão estabelecer metas de redução de emissões - um pedido
que a sociedade científica vem fazendo há anos.
Entre organizações não governamentais, o sentimento é de que o acordo de
ontem foi apenas um início. "O tratado não irá trazer uma redução imediata das
emissões do mercúrio. O acordo terá ainda de ser fortalecido", declarou David
Lennett, do Conselho de Defesa dos Recursos Naturais. "Ainda assim, o tratado
irá gradualmente reduzir o mercúrio em muitos produtos e é um bom início",
completou.
Ainda assim, altos funcionários da ONU e diplomatas comemoraram o evento.
"Países estabeleceram as bases para uma resposta global contra um poluente cuja
notoriedade foi reconhecida há mais de um século", declarou Achim Steiner,
diretor executivo do Programa da ONU para Meio Ambiente (Pnuma).
"Todos ganharão com esse acordo. Das famílias de pequenos garimpeiros às
comunidades no Ártico", disse.
"O acordo prova que o multilateralismo na política ainda existe", declarou
Franz Perrez, representante suíço, em referência ao fato de que a maioria dos
acordos internacionais está com suas negociações estagnadas em diversos campos,
inclusive no que se refere ao clima.
Fonte Estadão
Fonte Estadão
Nenhum comentário:
Postar um comentário