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terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Cientistas gaúchos decifram o DNA da esquizofrenia

Doença atinge atualmente cerca de 1% da população mundial e conta com 56 mil novos casos a cada ano no Brasil


A mãe vai abraçar, mas o sujeito pensa que ela quer machucá-lo. Ao assistir televisão, os apresentadores do telejornal fazem chacota. Um cérebro esquizofrênico é assim: extrapola o limite que há entre percepções reais e imaginárias.

Transtorno mental crônico — mais de 80% dos casos persistem de forma permanente — a esquizofrenia está deixando de ser um enigma. Recentes descobertas científicas, realizadas pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Serviço de Psiquiatria do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), em conjunto com outras instituições, estão decifrando, com mais de 90% de certeza, os genes que separam os indivíduos que sofrem dos que não sofrem da doença.

Os estudos, cuja versão preliminar já foi publicada no European Neuropsychopharmacology — feitos em conjunto com o Hospital AC Camargo, com o Instituto de Psiquiatria de São Paulo e com Instituto de Ciências da Saúde da Universidade do Minho, de Portugal — permitirão entender ainda mais não apenas sobre os efeitos, mas também sobre as causas de um distúrbio que afeta uma em cada cem pessoas no mundo (1,9 milhão no Brasil), com altos índices de suicídio.

Segundo o psiquiatra e coordenador do Programa de Esquizofrenia do HCPA, Paulo Belmonte de Abreu, as descobertas oferecerão, em pouco tempo, tratamentos mais eficazes para controlar as crises psicóticas decorrentes de excesso de atividade do neurotransmissor dopamina, que provocam a sensação de "saliência aberrante da realidade", ou seja, quando a realidade é percebida de forma distorcida e exagerada.

— Estes medicamentos reduzem os níveis de dopamina em áreas críticas do cérebro, mas oferecem efeitos desagradáveis ao paciente, como apatia, desânimo, falta de alegria, energia. E é aí que entram os estudos de genes, que nos ajudarão a oferecer medicamentos conforme o DNA de cada paciente, de maneira personalizada e com menos chance de erros, o que promete dar um salto na qualidade de vida dos portadores a partir dos próximos cinco anos — afirma Belmonte de Abreu.

Elaborado em parceria com o Instituto Ludwig de Pesquisa Sobre o Câncer, de São Paulo, Belmonte de Abreu e seu grupo do HCPA estudam há quatro anos DNA de genes em esquizofrênicos. No final de 2000, haviam sido descobertos perto de mil alterações em genes, os chamados polimorfismos, ou pequenas variações de estrutura e sequência de genes. Mas o "pulo do gato" ocorreu após o advento da plataforma tecnológica, ferramenta que permite analisar milhares de alterações genéticas ao mesmo tempo, indo ao encontro do que vem sendo feito no mundo em diversas doenças, como o câncer e diabetes.

— Genes desse tipo são estudados há décadas, mas só recentemente conseguimos identificar de 8 a 10 mil genes alterados ao mesmo tempo, o que chamamos de uma assinatura biológica da doença. Também descobrimos que a doença pode se manifestar tanto no cérebro intrauterino quanto na vida adulta — revela Belmonte de Abreu.

Antigamente, acreditava-se que as drogas não tinham influência na manifestação da esquizofrenia, apenas provocavam sintomas parecidos com o da doença. Contudo, estudos genéticos já comprovaram que o uso crônico de entorpecentes como a maconha pode colaborar para o seu desenvolvimento, dependendo do tipo de polimorfismo genético que o usuário possui.

— Os familiares costumam reconhecer a doença apenas quando ele tem sua primeira crise. O problema é que não existem sintomas tão específicos da esquizofrenia e, na maior parte das vezes, eles são muito sutis — afirma Jaime Hallak, membro da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).

Mentes brilhantes
A esquizofrenia evoca nomes como o de John Nash, interpretado por Russell Crowe no filme Uma Mente Brilhante. Nash emergiu como um prodígio da matemática e recebeu o Prêmio Nobel por seu trabalho. Mas o distúrbio cerebral surgido quando jovem o perturbou tão profundamente que acarretou a perda de sua carreira acadêmica e o fez levar uma vida instável durante anos, antes de se recuperar. Estes casos revelam extremos da doença: quando tratada, pode ter evolução favorável, mas com falta de tratamento pode ter consequências desastrosas para seu portador e familiares. A chave é tratamento precoce e continuado, com diálogo permanente para o alcance do balanço: nem muita dopamina, nem muito pouca dopamina no cérebro.

Saiba mais
:: Delírios, vozes e visões de seres imaginários. Esse é o quadro de uma pessoa que sofre de esquizofrenia. É comum também que ela passe por períodos de apatia e desordem de pensamento, com alterações de juízo, falsas ideias de perseguição e dificuldade em se relacionar. A doença é marcada especialmente pela dificuldade que o indivíduo apresenta para criar e manter laços sociais, no relacionamento com as pessoas e com o restante do mundo.

:: Descrito pela primeira vez no fim do século 19, o transtorno ganhou esse nome em 1908, autoria do psiquiatra suíço Eugen Bleuler (1857-1939). A palavra é resultado da junção dos termos gregos skizo (divisão) e phrenos (espírito), devido aos sintomas que provoca. O mal atinge atualmente cerca de 1% da população mundial e conta com 56 mil novos casos a cada ano no Brasil.

:: No centro do problema está a dopamina, neurotransmissor associado às sensações de prazer e de recompensa e que é encontrado em uma das regiões cerebrais mais profundas: o mesencéfalo. Nas pessoas saudáveis, a dopamina é liberada em quantidades equivalentes para os lobos frontal e temporal — sendo que o primeiro é responsável pela elaboração do pensamento, e o segundo, pela percepção e pela memória.

:: O cérebro do paciente com esquizofrenia, contudo, funciona como se houvesse menos dopamina no lobo frontal e mais no lobo temporal. Essa falta provoca apatia e lentidão de pensamento. Já o excesso de dopamina na região temporal provoca delírios e alucinações. Essas duas falhas contribuem para o aparecimento dos sintomas da doença.

Fonte Zero Hora

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