Apesar de atormentar a humanidade há pelo menos 8 mil anos, a tuberculose só pouco tempo atrás começou a chamar a atenção do mundo como deveria. Se, antes, era conhecida como a tosse de artistas e poetas, hoje está associada à Aids com um efeito devastador na saúde pública.
A doença causa agora uma corrida na indústria farmacêutica mundial. Há pouco mais de cinco anos, vem ganhando os olhos do mundo e há quem diga que, por isso, perdeu o título de negligenciada. Pesquisas não faltam para ela. Ainda não foi desenvolvida, entretanto, uma saída definitiva.
De norte a sul, de leste a oeste do país, há equipes quebrando a cabeça para driblar as façanhas da enfermidade, que, entre outras coisas, tem se mostrado capaz de resistir aos medicamentos que estão no mercado, sinalizando mais força do que imaginam seus combatentes. No Brasil, o grande desafio é acabar com o abandono do tratamento, que chega a 10% em determinadas regiões e acaba criando bactérias mais resistentes.
A segunda reportagem da série sobre doenças negligenciadas é dedicada a mostrar como o país, onde o tratamento da tuberculose na rede pública é considerado exemplar por especialistas, tenta atacar o mal em várias frentes: novas vacinas, diagnósticos mais eficazes e drogas mais efetivas. É no Rio Grande do Sul que está a maior esperança para vencer essa guerra. Há 10 anos, pesquisadores da Pontifícia Universidade Católica (PUC-RS) estão formulando um novo medicamento para a doença. A droga, chamada IQG 607, já passou por todos os ensaios clínicos e está prestes a entrar no mercado.
Depois de ter sido testada em animais e se mostrado eficiente, serão produzidos 50kg do remédio para ser registrado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Só então a substância será testada em pacientes. Se tudo der certo, em 2013 a fórmula entra para a história brasileira como o primeiro medicamento de fabricação nacional contra a tuberculose.
Animado, o coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Tuberculose e coordenador do Centro de Pesquisas em Biologia Molecular e Funcional (IPB/PUC-RS), Diógenes Santiago Santos, ressalta que há atualmente no Brasil quatro remédios ativos para a tuberculose, que dominam cerca de 70% da doença. O grande problema enfrentado pela medicina de hoje, entretanto, seriam os bacilos resistentes à medicação. “Esse é o pior problema. O mundo está envolvido em criar novos medicamentos”, diz, revelando que a pesquisa é financiada pelo Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e já foram gastos R$ 12 milhões em uma década.
“Nosso remédio inibe uma enzima importante para o metabolismo da microbactéria da tuberculose. O bacilo tem no seu entorno uma parede, como se fosse nossa pele, e a droga elimina essa parede, sem a qual ele não vive”, explica. Feito à base de molécula sintética, o medicamento será em cápsulas. A expectativa é de que em 2013 ele esteja disponível no Sistema Único de Saúde (SUS).
O médico tisiopneumologista Afrânio Kritski é uma das maiores autoridades brasileiras no estudo da tuberculose. Além de responsável na Universidade Federal do Rio de Janeiro pelo Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina e pelo Programa Acadêmico de Tuberculose, ele integra a Secretaria Executiva da Parceria Brasileira contra TB. “Em termos de pesquisa, temos quatro grandes áreas: medicamentos, diagnósticos, vacinas e gestão”, enumera, dizendo que a rede de TB no país é uma sociedade sem fins lucrativos e facilitadora dos estudos.
Mais cedo
Enquanto aumenta a busca por novidades para o tratamento desse mal milenar, outra frente de pesquisadores procura uma solução para os diagnósticos. Um deles deve ser lançado para o SUS no próximo ano. É de Pernambuco um estudo do grupo do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, da Fiocruz, que pretende descobrir como se dá a infecção. Quando um paciente adulto tem sintomas de tuberculosos, é feita a cultura do escarro. O resultado demora seis semanas. “Nesse tempo, a pessoa morre ou a doença se agrava”, alerta a pediatra, infectologista e coordenadora do grupo de pesquisa, Haiana Schindler.
Há sete anos, eles estudam o diagnóstico da tuberculose em crianças e pacientes soropositivos com o uso de um kit diagnóstico molecular. As principais vantagens são a confirmação da doença em menos tempo, o uso de sangue ou urina para o exame e o resultado com maior precisão. Concluída a fase de validação e mantidos os resultados promissores, a ferramenta poderá ser adotada pelo Ministério da Saúde. Pela primeira vez, a técnica vem sendo usada em hospitais pernambucanos e atende qualquer diagnóstico para a tuberculose em que haja dificuldade para o resultado. Segundo Haiana, o exame custa de US$ 6 a US$ 8 por reação. “É um baixo custo, pois, geralmente, em laboratórios, chega a custar R$ 300.” O kit será lançado no país em 2013.
Resultados
Testes feitos com amostras de sangue e urina de 100 pessoas, acompanhadas em hospitais de referência no tratamento da TB, em Pernambuco, mostraram sensibilidade (capacidade de confirmar a presença do bacilo) variando entre 61% e 72% no caso dos pacientes com a forma pulmonar da doença, e de 72% a 82% naqueles com a forma extrapulmonar (nos gânglios, rins e ossos, por exemplo). A especificidade (capacidade de reconhecer a ausência do bacilo) variou de 90% a 97% em ambos os grupos. “A baciloscopia tem sensibilidade de menos de 40% e a cultura de secreção leva de 30 a 60 dias para ser concluída. No caso da PCR em tubo único, o resultado sai em 48 horas”, afirma a biomédica Juliana Figueiredo, que desenvolveu o estudo durante mestrado em saúde pública na Fiocruz Pernambuco.
O caminho do bacilo
Como em crianças e em soropositivos a presença do bacilo da tuberculose no escarro é muito pequena, o Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) de Pernambuco, desenvolveu um teste para detectar a doença, principalmente nesses pacientes.
Ao entrar no organismo humano, o bacilo atinge os pulmões, mas também pode chegar aos rins, aos ossos, à pleura, às meninges, aos gânglios e a outros órgãos. Ou seja, ele circula pelo organismo.
Pesquisadores querem aproveitar esse “passeio” do bacilo dentro do corpo humano para capturá-lo na corrente sanguínea.
O teste detecta o DNA do bacilo morto; aquele que está nessas condições é expelido pela urina.
Assim, o sangue e a urina do paciente são coletados.
Ambos passam por uma centrífuga e são submetidos a uma técnica de isolamento de bacilos, quando é retirado o DNA deles (caso haja). O DNA do bacilo é colocado na máquina e é usada a técnica de reação em cadeia pela polimerase, que o multiplica caso o sangue e a urina estejam contaminados.
Fonte Correio Braziliense
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