Publicado na Molecular Cancer, estudo identificou pela primeira vez correlação de tumor de alta morbidade com a expressão de RNAs longos não-codificadores de proteínas
Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) descreveu pela primeira vez, em amostras de câncer de pâncreas, a expressão de RNAs não-codificadores longos (lncRNAs, na sigla em inglês) – transcritos que têm mais de 200 nucleotídeos e não codificam proteínas.
O estudo, coordenado por Eduardo Reis, do Instituto de Química (IQ) da USP, em parceria com Marcel Cerqueira Machado, da Faculdade de Medicina (FM) da USP, foi publicado na revista Molecular Cancer, com apoio da FAPESP na modalidade Auxílio Publicação Regular – Artigo.
O trabalho também está relacionado ao Projeto Temático “Caracterização funcional de RNAs intrônicos não-codificadores expressos no genoma humano” – do qual Reis é pesquisador principal –, coordenado por Sérgio Verjovski-Almeida, professor do IQ-USP e coautor do artigo.
Participaram também do artigo Márcia Kubrusly, da FM-USP e Ana Tahira, Michele Faria, Bianca Dazzani, Rogério Fonseca e Vinicius Maracaja-Coutinho, todos do IQ-USP. O trabalho, segundo os autores, chama a atenção para o potencial uso de lncRNAs no diagnóstico molecular do câncer de pâncreas. O diagnóstico tardio, segundo eles, está relacionado à alta morbidade da doença.
Segundo Reis, o câncer de pâncreas é dos tumores mais letais que afetam o homem, com uma taxa de sobrevida menor que 1% após 5 anos do diagnóstico. Por isso, embora seja apenas o sétimo tipo de tumor mais prevalente no Brasil, há grande interesse de se entender suas bases moleculares e desenvolver novas ferramentas para diagnóstico e tratamento.
“Apesar da prevalência não ser tão alta, o câncer de pâncreas é uma grande preocupação porque há pouquíssimas opções terapêuticas. É muito difícil fazer um diagnóstico precoce e, em geral, quando o tumor é detectado, já está em estágio avançado. O diagnóstico tardio equivale praticamente a uma sentença de morte”, disse Reis à Agência FAPESP.
Por conta dessa característica, poucos pacientes são operados e, com isso, há uma grande dificuldade para se obter amostras do tumor, segundo Reis. Por isso, de acordo com ele, foi fundamental na pesquisa a participação do grupo de Machado, que há décadas estuda o câncer de pâncreas e procura descobrir novos marcadores associados à doença.
“O grupo da FM-USP conseguiu obter um conjunto significativo de amostras. Analisamos por volta de 40 amostras de tecido pancreático normal, tumoral primário e tumoral metastático, que é algo muito difícil de obter”, disse.
O laboratório de Reis, por outro lado, investiga os lncRNAs, que segundo ele são uma fronteira ainda pouco conhecida do genoma humano. Embora apenas 2% do genoma codifique para proteínas, de acordo com Reis, nos últimos anos tem sido documentado por diversos grupos no mundo – incluindo o do IQ-USP – que a maior parte do genoma humano é transcrito gerando lncRNAs.
“Embora a função da maior parte dessas moléculas seja ainda desconhecida, já existem trabalhos que demonstraram inequivocamente que os lncRNAs desempenham funções essenciais na biologia de células eucarióticas”, afirmou.
No trabalho publicado na Molecular Cancer, os pesquisadores identificaram coleções de lncRNAs expressos no tecido pancreático e cuja abundância se correlaciona a histologia do câncer – do tumor primário à metástase. “Essa descoberta indica a relevância dessa classe de transcritos em processos biológicos relacionados com a transformação maligna e metástase no câncer de pâncreas”, declarou.
Como vários trabalhos recentes têm mostrado que os lncRNAs estão envolvidos em mecanismos centrais para o funcionamento normal das células, os cientistas imaginam que os transcritos também estejam envolvidos em processos patológicos.
“Alguns trabalhos já haviam identificado correlações do lncRNA com câncer de mama e pulmão, mas ninguém havia ainda investigado a relevância da sua expressão no câncer de pâncreas. Verificamos que eles são expressos de forma significativa nos tecidos pancreáticos e conseguimos encontrar assinaturas específicas de lncRNAs que têm expressão aberrante em tumores de pâncreas”, afirmou.
Esse achado, segundo Reis, abre uma interessante janela de oportunidade para o estudo de papéis biológicos do lncRNA na transformação maligna do câncer de pâncreas – isto é, no mecanismo que faz com que a célula normal do tecido pancreático se transforme em célula tumoral.
“Nosso trabalho mostra que o lncRNA deve ter um papel relevante nessa transformação. Encontramos também assinaturas muito claras quando comparamos o tumor do pâncreas e a metástase. Isso sugere que talvez esses transcritos estejam relacionados não só à transformação maligna, mas também à progressão do tumor”, disse.
Além do aspecto funcional do lncRNA, Reis destaca que o estudo também levou em conta o aspecto relacionado ao diagnóstico. “O objetivo no futuro é encontrar marcadores capazes de identificar de forma precoce pequenas lesões antes que elas se transformem em tumores. Com isso, nos aproximaremos do sonho de fazer o diagnóstico de forma muito precoce por meio de pequenas amostras extraídas de forma minimamente invasiva”, declarou.
Para transformar a descoberta de assinaturas dos lncRNA em marcadores de diagnóstico precoce, segundo o cientista, será preciso ter acesso a mais amostras de lesões malignas. “Seria interessante ter acesso a cistos pancreáticos, por exemplo, ou fluidos corporais, como sangue de indivíduos com e sem câncer de pâncreas”, disse.
Fonte SaudeWeb
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