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quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Desmistificando o exercício do caçador-coletor

Descobertas sugerem que falta de atividade não é a fonte da obesidade moderna

Darwin não é leitura obrigatória para autoridades de saúde pública, mas deveria ser. Uma das razões que levaram os problemas cardíacos, o diabetes e a obesidade a níveis epidêmicos no mundo desenvolvido é o fato de que a vida moderna tenha se tornado radicalmente diferente dos ambientes em que os corpos humanos se desenvolveram, quando ainda éramos caçadores-coletores. Entretanto, resta saber quais mudanças modernas estão causando mais danos.

Muitas pessoas envolvidas com saúde pública acreditam que um dos maiores culpados seja a vida sedentária. Uma vez que o corpo encara poucas exigências físicas nos dias de hoje, eles queimam menos calorias do que evoluíram para consumir — e as calorias que não são gastas se acumulam ao longo do tempo na forma de gordura. Ao discutir as causas da obesidade, a Organização Mundial da Saúde citou uma "diminuição na atividade física devida à natureza cada vez mais sedentária de muitas formas de trabalho, além das novas formas de transporte e do aumento da urbanização".

Essa é uma boa teoria. Mas ela é verdadeira? Para descobrir, meus colegas e eu recentemente medimos o gasto diário de energia do povo hadza, da Tanzânia, uma das poucas populações de caçadores-coletores tradicionais que restaram no planeta. Será que o povo hadza gasta mais energia do que nós, já que seu estilo de vida é tão similar ao de nossos ancestrais mais distantes?

As descobertas, publicadas mês passado na revista PLoS One, indicam que eles não gastam mais energia, sugerindo que a falta de atividade não é a fonte da obesidade moderna.

As tentativas anteriores para quantificar o gasto de energia diário dos caçadores-coletores se baseavam exclusivamente em estimativas. Em comparação, nosso estudo utilizou uma técnica que calcula os índices de produção de dióxido de carbono pelo corpo — e, portanto, o total de calorias queimadas por dia —, ao registrar a eliminação de dois isótopos (deutério e oxigênio 18) pela urina ao longo de um período de duas semanas.

A gentileza dos hadza e os anos de amizade com muitos de meus colegas fizeram com que eles nos recebessem em seus assentamentos e participassem da pesquisa. Enquanto nós observávamos, o povo hadza continuava com suas rotinas normais.

Eles vivem em cabanas de palha simples, em meio à seca savana africana. Os hadza não possuem armas, veículos, plantações ou gado. Todos os dias as mulheres percorrem quilômetros de terreno acidentado, procurando por tubérculos, frutas e outras plantas selvagens, frequentemente enquanto carregam crianças, lenha e água. Os homens saem sozinhos durante a maior parte do dia para buscar mel ou caçar animais selvagens com a ajuda de arcos artesanais e flechas com pontas envenenadas, percorrendo entre 25 e 30 quilômetros.

Nós descobrimos que, a despeito de toda a atividade física, o número de calorias queimadas pelos hadza por dia não era muito diferente do total gasto por um adulto típico dos Estados Unidos ou da Europa. Nós fizemos uma série de testes estatísticos, levando em conta a massa corporal total, a massa corporal magra, a idade, o sexo e a massa gorda, mas ainda assim não encontramos diferenças no gasto diário de energia entre os hadza e as pessoas pesquisadas no ocidente.

Como é possível que os hadza sejam mais ativos do que nós, sem queimar mais calorias? Isso não significa que seus corpos sejam mais eficientes que os nossos, o que permitiria que eles fizessem mais atividades, gastando menos energia: na verdade, medidas realizadas separadamente demonstraram que os hadza queimam a mesma quantidade de calorias que os ocidentais quando estão em repouso ou caminhando.

Nós acreditamos que os corpos do povo hadza se adaptaram aos altos níveis de atividade exigidos para caçar e coletar, gastando menos energia em outras áreas. Até mesmo para pessoas extremamente ativas, a atividade física corresponde a apenas uma pequena porção dos gastos diários de energia; a maior parte da energia é consumida por diversas atividades invisíveis, que mantêm nossas células caminhando e nossos sistemas vitais funcionando.

Se os corpos dos hadza fossem capazes de gastar menos energia nessas áreas, eles poderiam acomodar enormes demandas de energia para a caça e a coleta. De fato, estudos que relatam as diferenças entre os perfis hormonais e metabólicos das populações tradicionais e das ocidentais corroboram com essa ideia (entretanto, é necessário realizar mais estudos).

Nossas descobertas contribuem para um conjunto de indícios que sugere que o consumo de energia é basicamente o mesmo entre os diferentes estilos de vida e culturas. Naturalmente, se forçarmos nossos corpos o bastante, poderemos aumentar nosso gasto energético, ao menos por algum tempo. Mas os corpos humanos são máquinas complexas e dinâmicas, moldadas ao longo de milhões de anos de evolução em ambientes onde os recursos eram limitados; nossos corpos se adaptam a nossas rotinas diárias e encontram formas de manter os gastos energéticos balanceados.

Tudo isso significa que se quisermos acabar com a obesidade, precisamos nos concentrar em nossas dietas e reduzir a quantidade de calorias que consumimos, em especial os açúcares que nossos cérebros de primata evoluíram para amar. Nós estamos ficando gordos porque comemos demais, não porque somos sedentários. Atividade física é muito importante para manter a saúde física e mental, mas nós não vamos conseguir dançar até que a epidemia de obesidade acabe.

Há muito mais para aprender com grupos como os hadza, entre os quais a obesidade e os problemas cardíacos não existem, e onde vovós de 80 anos ainda são fortes a ativas. Para encontrar novas abordagens para os problemas de saúde pública, é necessário fazer mais pesquisa sobre outras culturas e sobre nosso passado evolucionário.

(Herman Pontzer é professor assistente de antropologia no Hunter College e cofundador do Hadza Fund, uma organização sem fins lucrativos que apoia o povo hadza)

Fonte R7

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