Instituições de saúde buscam eficiência, segurança do paciente e redução de custos por meio da medicina hospitalar. Modelo mostra-se mais adequado ao perfil de hospitais que atendem ao SUS ou pertencentes a operadoras
Há três dias você deu entrada em um hospital apresentando os seguintes sintomas: náuseas, vômitos, fortes cólicas abdominais e diarreia. Devido ao mal estar generalizado e intenso cansaço, o médico do pronto – socorro optou pela internação.
No dia seguinte, você foi direcionado para um gastroenterologista, que deu sequência aos procedimentos realizados na emergência; e prescreveu mais alguns exames como endoscopia, ultrassom, entre outros. Os exames ficaram prontos no período da tarde do mesmo dia, mas o médico especialista, que trabalha em consultório e mais dois hospitais, acabou analisando os exames apenas no dia seguinte. Com um diagnóstico de gastroenterite – tratado com um regime alimentar, ingestão de líquidos e alguns medicamentos -, o médico concedeu-lhe alta 16 horas depois dos resultados estarem prontos e da normalização do quadro clínico.
O exemplo acima ilustra o modelo de assistência tradicional no qual a maioria das pessoas está submetida, em que o médico passa uma vez por dia em determinados horários e prescreve o tratamento. Entretanto, em caso de intercorrências ou mesmo uma simples avaliação para a liberação, o responsável pelo doente pode estar longe do hospital, impactando, muitas vezes, os custos hospitalares e a eficiência assistencial.
Em meados da década de 90, um modelo alternativo começou a surgir nos Estados Unidos. Sob o nome de medicina hospitalar, o conceito, além de propor outra dinâmica assistencial, contemplava uma nova área de atuação médica, conhecida como médico hospitalista.
O termo hospitalista, cunhado pela primeira vez em 1996, pelo MD (Doctor of Medicine), professor e chefe do Departamento de Medicina da Universidade da Califórnia (São Francisco), Robert Wachter, foi utilizado para descrever o modelo onde o médico, com formação clínica, faz carreira dentro de uma instituição hospitalar e assume a liderança assistencial, garantindo o cuidado de todos os pacientes ali internados.
Esse tipo de medicina começou enquanto aumentava a preocupação com os custos hospitalares e com a segurança do paciente. “O cuidado na internação é equivalente ao da terapia intensiva. Essa é a lógica. Assim, há sempre um médico disponível para pedir exames, avaliá-los no mesmo dia, reavaliá-los, etc. A partir deste profissional muda-se ou não a conduta junto ao paciente”, pontua o presidente da Sociedade Pan Americana de Médicos Hospitalistas, Guilherme Barcellos, que defende o modelo tendo em vista o envelhecendo da população e o aumento da complexidade dos doentes no Brasil.
Segundo Barcellos, não existe um padrão pronto. Cada hospital organiza o modelo de acordo com suas necessidades, mas o ideal, na opinião do especialista, é de que a equipe de hospitalistas permaneça no hospital das 8h00às 18h00, havendo escala para a cobertura à noite.
E as especialidades médicas?
Traduzindo em miúdos, todo o paciente submetido à internação ficará sob a responsabilidade de um hospitalista, espécie de “orquestrador” do cuidado, liderando equipes multidisciplinares e envolvendo-se em processos administrativos vinculados à internação. O médico especializado muitas vezes é chamado para uma segunda opinião, atuando como um consultor.
No Hospital Paulistano (SP), da Amil – um dos pioneiros do modelo no Brasil, implementado há 12 anos -, 70% dos pacientes são coordenados pela equipe de hospitalistas, que atualmente possui 33 médicos. “Cerca de 20% são pacientes vistos em conjunto com outras especialidades. Todos fazem. Todos se ajudam. Mas o hospitalista é quem fica como coordenador do cuidado, mesmo que ele tenha um cirurgião acompanhando ou neurologista”, conta o diretor médico do hospital, Márcio José Cristiano de Arruda, acrescentando que entre os médicos da equipe de hospitalistas existem reumatologistas, infectologistas, geriatras, entre outros.
Perfil do profissional e mercado
Diferente da medicina tradicional, duas características são essenciais para esse profissional: disponibilidade presencial nas unidades de internação e o vínculo institucional. De acordo com a Sociedade de Medicina Hospitalista (Society of Hospital Medicine), a especialidade é a que mais cresce na história da medicina moderna (veja tabela abaixo/ao lado).
“Tem um aspecto que o médico tem que topar. Saber que ele vai atuar como clínico, mesmo se for um reumatologista. Tem que ter a visão do clínico geral, algo que fomos perdendo com o tempo. A segunda coisa é querer se integrar aos processos do hospital como, por exemplo, acreditações”, afirma Arruda. A qualidade do Paulistano é reconhecida pela Joint Comission International (JCI).
A cordialidade entre os profissionais e a visão de equipe é um dos aspectos mais delicados, segundo Barcellos. “Em muitos casos que acompanhei percebi que existe uma certa dificuldade entre os médicos na hora de entregar o paciente para o hospitalista. A internação tem de ser aceita por todos: médico do paciente, paciente e grupo de hospitalistas. Onde tentou-se fazer isso na marra, deu errado”, diz Barcellos, exemplificando uma situação mais rotineira em hospitais particulares, onde a probabilidade do doente ter um médico de “longa data” é maior do que por meio do Sistema Único de Saúde (SUS).
Visão do paciente
“A percepção está mudando. Não existe mais a visão de um ser sozinho resolvendo o problema. O cuidado do paciente hospitalizado é complexo o suficiente para requerer equipes. O clínico responsável tem a visão holística do cuidado, ele não vai prescindir do endócrinologista, do neurologista”, afirma de forma categórica Barcellos.
Arruda compartilha que as maiores dificuldades do Paulistano estão na relação entre médico clínico e médico cirurgião. “Quando a cirurgia necessita de uma avaliação do clínico, o cirurgião acha que não deve continuar acompanhando o caso. Ele tende a querer olhar apenas na eminência da cirurgia”.
Os números da Sociedade de Medicina Hospitalista apontam que, em geral, os médicos dos EUA gastam apenas 12% de seu tempo com pacientes hospitalizados. No sentido contrário, a figura do hospitalista foi idealizada para proporcionar uma experiência única ao internado devido à profunda compreensão de internação, expertise em diagnosticar distúrbios, anteciparproblemas e responder rapidamente às mudanças das condições do doente.
Dessa forma, a avaliação dos pacientes, segundo estudo da Sociedade, é positiva por causa do atendimento 24/7 e também pela familiaridade com o médico responsável.
Frutos
A Sociedade de Medicina Hospitalista estima que a redução no tempo de permanência do paciente pode chegar a 30% e os custos hospitalares em 20%.
O Hospital Pompéia, entidade filantrópica localizada no município de Caxias do Sul, (RS), é outro exemplo brasileiro de ganhos com a medicina hospitalar. Com um perfil diferente do Paulistano, o Pompéia aderiu ao modelo, em 2011, para os pacientes do SUS. E, apesar do pouco tempo, a média de internação diminuiu de oito dias e meio para seis dias na comparação entre os semestres do ano passado; o índice de infecção hospitalar caiu de 5,2% para 2,8%; a mortalidade decresceu de 34,5 óbitos, a cada mil dias de internação, para 28,5.
Entretanto, depois dos resultados, a gravidade dos pacientes aumentou de 2,5 para 3,3 (índice CHARLSON). “A Secretária do Estado escolheu o hospital como referência para direcionar os casos mais graves”, conta o hematologista Tiago Daltoé, que integra e coordena a equipe de quatro hospitalistas do hospital Pompéia, de 300 leitos.
Tendência
É consenso entre os profissionais do setor ouvidos pela FH de que o modelo é mais adequado a instituições que atendem ao SUS e hospitais pertencentes a operadoras. “Um hospital que depende da ocupação total do seu leito para ter um faturamento adequado não está tão empenhado em reduzir o tempo médio de permanência. Eles precisam ter gente ocupando para poderem faturar no fim do mês”, opina Arruda.
Outro aspecto ponderado pelo mercado é de que os médicos que atendem em clínicas particulares não abrem mão de tratar o paciente, quando internado, com sua equipe.
Daltoé vislumbra um modelo misto, de convivência mútua. “Não sei se é uma tendência que vá mudar o mercado, mas cada vez mais os hospitais vão optar pela medicina hospitalar. O dia a dia fica mais fácil. Todos sabem utilizar os sistemas melhor, sabem agilizar os processos, a equipe passa a ter um entendimento financeiro do hospital, o que é raríssimo”, comenta com entusiasmo.
Fonte SaudeWeb
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