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quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Aplicativos e tablets viram instrumentos da medicina

O médico Alvin Rajkomar estava fazendo as rondas com sua equipe no Centro Médico da Universidade da Califórnia em San Francisco quando topou com um caso que o deixou perplexo: um paciente idoso e frágil com nível de sódio perigosamente baixo.
 
Como residente de terceiro ano em medicina interna, Rajkomar era o membro sênior da equipe, e os outros queriam seguir sua orientação. Uma infusão de soro fisiológico seria a resposta, mas a parte complicada estava nos detalhes. Concentração? Volume? Um tratamento inadequado poderia resultar em edema cerebral, convulsões e até mesmo óbito.
 
Rajkomar já estava de plantão havia 24 horas e estava exausto, mas, contou, a incerteza clínica funcionou como "uma injeção de adrenalina". Do bolso de seu avental branco ele tirou, não um manual muito usado, mas seu iPhone.
 
Com um toque num aplicativo chamado MedCalc, em um minuto ele tinha respostas suficientes para iniciar a infusão de soro em exatamente a concentração correta.
 
A história da medicina é definida por avanços nascidos da biociência. Mas nunca antes ela foi movida em grau tão alto pela tecnologia digital.
 
A proliferação de gadgets, aplicativos e informações baseadas na web proporciona a clínicos --especialmente os jovens como Rajkomar, que tem 28 anos-- uma maleta de médico de instrumentos novos: novas maneiras de diagnosticar sintomas e tratar pacientes, obter e compartilhar informações, refletir sobre o significado de ser médico e ser paciente.
 
E isso criou uma espécie de divisão de gerações. Os médicos mais velhos admiram, até mesmo invejam a facilidade com que seus colegas mais jovens manejam a tecnologia. Mas acham que as conexões humanas que estão ao cerne da prática médica correm o risco de se perder.
 
"O simples acréscimo de um app não vai necessariamente tornar os médicos melhores ou mais prestativos", disse Paul Tang, chefe de inovações e tecnologia na Fundação Médica Palo Alto, na Califórnia. "Precisamos aprender a usar a tecnologia para ser profissionais melhores, mais humanos."
 
O clínico-geral Paul Heineken, 66, é uma figura reverenciada no Centro Médico San Francisco V. A. Ele faz parte de uma geração que compartilhou premissas tradicionais sobre o modo como se pratica a medicina: os médicos são a fonte inequívoca de conhecimento médico; anotações e ordens são escritas em fichas de papel, enquanto o médico está em pé no balcão das enfermeiras, e radiografias são chapas de filme postas sobre caixas de luz e olhadas por cima do ombro de um radiologista.
 
Numa manhã recente, enquanto conduzia trainees pelas enfermarias do hospital, Heineken enfrentou a tarefa delicada que cabe a todo professor de medicina: usar pessoas gravemente doentes para transmitir conhecimento.
 
A equipe chegou ao quarto de um senhor de 90 anos de idade, veterano da Segunda Guerra Mundial, que estava perto da morte --uma sombra de homem, com a dor gravada em seu rosto e as veias de seu pescoço ressaltadas devido à pressão de seu coração cada vez mais fraco.
 
Heineken pediu desculpas pela invasão, e o paciente deu um sorriso com muita dificuldade. O médico ajoelhou-se ao lado do leito para repetir a tradição da percussão do coração. "Façam assim", ele disse, colocando a mão esquerda sobre o coração do paciente e batendo sobre o dedo médio dessa mão com o dedo médio de sua mão direita.
 
Os trainees se revezaram para repetir o gesto, um a um. Uma radiografia ou um ecocardiograma teriam feito um trabalho mais preciso. Mas Heineken queria que os estudantes sentissem a descoberta de um coração dilatado num exame físico.
 
Heineken enche seus dias de ensino com lições semelhantes, que podem ir contra uma torrente de tecnologia. Ao longo de sua vida profissional, ele já assistiu à chegada das tomografias computadorizadas, ultrassonografias, ressonâncias magnéticas e inúmeros exames laboratoriais novos. Já viu seus pares darem as costas aos pacientes enquanto tentam dominar um novo sistema computadorizado, ou fazer consultas apressadas, esquecendo-se de usar suas ferramentas mais fundamentais: seus olhos e ouvidos.
 
Por essas razões, ele faz questão de exigir algo antiquado de seus alunos.
 
"Digo a eles que seu primeiro reflexo deve ser olhar para o paciente, não para o computador", diz Heineken. E ele manda a equipe retornar ao leito de cada paciente ao final do dia. "Digo a eles: 'Não vá para um computador: volte ao quarto do paciente, sente-se e ouça o paciente. E não faça parecer que você está com pressa.'"
 
Uma razão disso, disse Heineken, é que as recomendações de tratamento devem ser adaptadas com base nas prioridades do próprio paciente. "Qualquer decisão clínica difícil é facilitada depois de ser discutida com o paciente", ele explicou.
 
Não é que ele se oponha à tecnologia digital. Heineken vem usando o sistema computadorizado de fichas de pacientes do Departamento de Assuntos dos Veteranos desde que o sistema foi criado, 15 anos atrás. Mas seu celular é de um modelo antigo, e sua experiência com mensagens de texto é limitada.
 
Num dia recente, seu primeiro paciente do dia foi Eric Conrad, veterano de 65 anos da Guerra do Vietnã que tinha enfisema grave. Primeiro houve uma conversa. Heineken mandou seu paciente sentar-se perto de sua mesa. Desanimado, o paciente olhou para seus tênis gastos, respirando com dificuldade.
 
Heineken atende Conrad desde 1993 e conta que desde então "estamos travando uma batalha com seu peso, com idas e vindas".
 
Num instante o computador gerou um gráfico mostrando o histórico irregular de peso conquistado, depois perdido. Heineken virou a tela do computador para que o paciente pudesse ver o ganho constante obtido nos últimos meses. "A coisa está bem melhor do que estava", falou. A expressão de Conrad ficou um pouco mais animada.
 
Então Heineken deu as costas ao computador e sentou-se tão perto do paciente que os joelhos de ambos se tocaram. Conrad olhou nos olhos do médico, procurando respostas.
 
Foi apenas quando Heineken quis ouvir os pulmões de Conrad que lhe pediu para ir até a maca.
 
"Eu gosto demais dele", falou Conrad, aludindo ao médico. "Ele não faz rodeios, sejam as notícias boas ou más."
 
Trinta e oito anos e uma revolução tecnológica separam Heineken de Alvin Rajkomar.
 
Filho de um engenheiro elétrico mauriciano, Rajkomar cresceu no Vale do Silício e aprendeu a programar aos 12 anos, por conta própria. Em Harvard, começou estudando física, mas ficou fascinado pela medicina quando foi às Ilhas Maurício no verão de um ano e passou alguns dias acompanhando seu tio, médico numa clínica comunitária.
 
"Não havia medicamentos ou procedimentos médicos complicados", ele contou. "Apenas a arte da medicina."
 
Em 2009, em seu terceiro ano de medicina na Universidade Columbia, ele foi um dos primeiros no hospital a usar um iPhone como ferramenta clínica. "Cada vez que a gente procurava alguma coisa, levava uma bronca", ele contou. "As pessoas pensavam que, se você estava com o telefone na mão, não estava trabalhando."
 
Entre a nova safra de médicos que se sentem à vontade com tecnologia, Rajkomar agora é um dos "mestres", mostrando aos residentes seus aplicativos favoritos, além de atalhos para passar pelo sistema computadorizado de fichas e receitas médicas.
 
Ele guarda tudo o que aprende na clínica num aplicativo chamado Evernote, um arquivo eletrônico. "Uso o Evernote como um segundo cérebro", ele contou. "Agora tenho um caderninho de pérolas clínicas personalizadas, autoindexadas, que carrego comigo em todo lugar no meu iPhone."
 
Ao lado da calculadora clínica MedCalc, o telefone de Rajkomar tem o aplicativo ePocrates, usado para procurar dosagens e interações medicamentosas, e o Qx Calculate, que ele usa para gerar perfis de risco para seus pacientes. Sua tecnologia favorita é seu estetoscópio eletrônico, que amplifica sons cardíacos e cancela o ruído ambiente.
 
Mas Rajkomar não é indiscriminado no uso que faz da tecnologia. Quando decidiu que a ficha médica eletrônica estava levando tempo demais para ser carregada no iPad, ele voltou a fazer anotações no papel. Mas está experimentando escrever à mão sobre um minitablet Samsung.
 
Ele tem consciência dos potenciais riscos das fichas computadorizadas, especialmente os modelos "se o problema é X, faça Y", que incentivam uma abordagem do tipo cortar e colar às anotações sobre progresso diário. Embora sejam eficientes, eles podem dar lugar a anotações robóticas, sem prestar atenção a como o paciente está se sentindo.
 
Tablets conectados com fichas médicas eletrônicas estão chegando às mãos de médicos trainees em toda parte dos EUA. Todos os residentes de medicina interna na Universidade de Chicago e Johns Hopkins ganham iPads; os estudantes de medicina em Stanford, ao ingressar o curso, ganham vouchers que podem usar para comprar um tablet.
 
Um estudo feito pela Universidade de Chicago neste ano e relatado na revista especializada "Archives of Internal Medicine" concluiu que residentes com iPads conseguem anotar ordens de maneira mais ágil e que a maioria dos residentes acha que o iPad melhora sua eficiência no trabalho. No Centro Médico U.C.S.F, alguns dos médicos usam iPads; muitos usam um dos computadores do hospital colocados sobre mesas com rodas.
 
A clínica ambulatorial de Rajkomar fica a alguns quilômetros do hospital da U.C.S.F., no hospital San Francisco V.A., onde ele trabalha no mesmo corredor de Heineken.
 
Enquanto Heineken é competente no manejo do sistema de fichas médicas eletrônicas do hospital, Rajkomar é um virtuose, um Vladimir Horowitz do teclado do computador. Ele é capaz de manter os olhos tão fixos sobre o paciente que o fato de estar digitando quase passa despercebido.
 
Ao mesmo tempo em que conversa com o paciente, Rajkomar interage com o computador. Resultados de exames? Estão na tela, em um instante. Uma lista de medicamentos e dosagens passados e atuais? Pronto!
 
Mas também ele sabe quando é preciso deixar o computador de lado. Durante uma consulta, quando um paciente confidenciou que sua mulher estava tomando seus medicamentos contra dor, Rajkomar pediu licença e desceu o corredor para consultar o farmacêutico sobre um plano para impedir isso de acontecer.
 
Rajkomar sabe que tem muito a aprender sobre como ser médico, especialmente no que diz respeito às complexidades sociais e psicológicas dos pacientes.
 
"Um paciente me mandou embora", ele falou, sorrindo. "Esses pacientes vão para o Dr. Heineken."
 
Fonte Folhaonline

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